Com a expectativa de levar 10 milhões às urnas na Semana da Pátria – de
1º e 7 de setembro – 350 entidades da sociedade civil pretendem realizar
um plebiscito simbólico para convocar uma Constituinte exclusiva,
destinada a mudar radicalmente o sistema político atual. Tema periférico
nas campanhas dos presidenciáveis, a sempre falada e nunca executada
reforma política pode assim finalmente acontecer.
O movimento iniciado por estas entidades conta com mais de 30 mil
ativistas empenhados na organização da campanha e cerca de 800 comitês
municipais instalados em todos os Estados. A pretensão da mobilização em
torno do plebiscito é absorver o espírito das manifestações de junho do
ano passado, algo que tem sido esquecido pelos candidatos à Presidência
da República.
A intensão é condensar a vontade de mudança explicitada nas
manifestações numa única pauta, que é tornar o sistema político mais
representativo. Mais ainda: que ela seja imune à interferência do poder
econômico. O ponto central seria então o fim do financiamento privado de
campanhas.
Milhares de urnas serão montadas no país inteiro em setembro, durante a
consulta popular. Como é necessário explicar à população o que vem a ser
a reforma política e sua principal meta, a mobilização será uma
campanha dentro da campanha eleitoral.
Um dos idealizadores do plebiscito, o economista João Pedro Stédile,
líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), diz que o
principal objetivo é conseguir mobilizar “um mutirão nacional”,
aglutinando todas as organizações populares numa cruzada por mudanças no
sistema político. No final, as entidades entregarão um manifesto aos
chefes dos três poderes pedindo a Constituinte.
O desafio do movimento, segundo ele, é fazer com que a população perceba
que as saídas para problemas – como moradia, educação, transporte
público de qualidade, reforma agrária e juros mais baixo – estão
diretamente relacionadas com os rumos da política, hoje altamente
influenciada pelo poder econômico, que dá as cartas num Congresso com
pouca representatividade e em descrédito.
Stédile entende que a ampla maioria dos candidatos está preocupada
apenas com a carreira pessoal e, consequentemente, buscando nas empresas
os financiadores de sua suas campanhas. “O verdadeiro colégio
eleitoral, agora, não é mais resultado das urnas. São as 117 grandes
empresas, que financiam 85% de todas as campanhas. A previsão de gastos
para 2014 ficará ao redor de R$ 4 bilhões em todo Pais”, afirma.
As entidades acreditam que se a campanha atingir seu objetivo de
mobilizar milhões, os políticos eleitos este ano serão pressionados a
convocar de um plebiscito oficial para ser realizado já no final do
primeiro semestre de 2015, com regras definidas rapidamente. A
Constituinte eleita teria, então, um ano para fazer a reforma política.
Stédile alerta que se não houver mudanças, o país enfrentará uma grave
crise política no ano que vem. “As mobilizações voltarão às ruas, com
força ainda maior, e contra os políticos eleitos”, aposta ele.
Lucas Pelissari, porta-voz da Secretaria Operativa Nacional, responsável
pela organização do plebiscito, afirma que o movimento está ganhando
força e acabará se impondo. “A reforma política pode entrar na agenda
dos candidatos como tema central da campanha”, prevê. Embora favorável a
mudanças através de um projeto de lei, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também
enxergam descrédito na classe política atual e engrossarão a campanha
pela reforma.
“Essa eleição está sendo pautada pelo poder econômico e quem for eleito
não representará a população”, argumenta Pelissari. Segundo ele, de 2002
para cá, o volume de recursos despejados pela iniciativa privada nas
eleições aumentou 400%, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu
40%.
O cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), acha que a mobilização seria mais produtiva se,
pela pressão popular, conseguir o compromisso dos candidatos com a
reforma política. Ele teme que ao se confundir com a eleição, a campanha
perca força.
Para Teixeira, a mobilização é legítima e que poderá resgatar o tema da
Constituinte exclusiva, caso ela seja bem conduzida. No auge das
manifestações do ano passado, a presidente Dilma Rousseff chegou a
defender o plebiscito e a reforma constitucional conduzida por
parlamentares eleitos exclusivamente para isso.
O cientista político da FGV não acredita que seja possível fazer a
reforma sem o Congresso que será eleito este ano. “Os eleitos terão
legitimidade e a prerrogativa de fazer”, observa. Ele afirma, no
entanto, que os políticos não têm demonstrado interesse pelo tema, mas
frisa que a via democrática para as mudanças é a institucionalidade.
“O tema entrou e saiu das manifestações de 2013 porque não deram a
devida atenção. Não houve diálogo com a classe política e, no final, se
contentaram com os 20 centavos”, lembra Teixeira. Organizados pelo
Movimento Passe Livre, a jornada de manifestações de junho conseguiu
derrubar o aumento de 20 centavos nas passagens, mas se fragmentou e
perdeu a oportunidade colocar temas relevantes na agenda política.
Fonte: IG.