Foto: Procuradoria Geral da República - Reprodução |
Em plena crise econômica,
governos federais, estaduais e municipais gastam rotineiramente cifras absurdas
com pagamento de servidores que recebem acima do teto constitucional.
Estimativas feitas por fontes do Ministério da Fazenda e do Congresso apontam que
caso a lei fosse de fato cumprida a economia para os cofres públicos chegaria a
quase R$ 10 bilhões por ano, considerando os governos federal, estadual e
municipal. A cifra é similar ao montante que o governo pretende conseguir em
2016 com a recriação da CPMF, que ainda tem uma longa batalha para ser aprovada
pelo Congresso Nacional.
Cálculos do governo federal,
que levam em conta apenas o montante que a União economizaria são bem menores,
mesmo assim apontam para uma possível "economia" de R$ 1 bilhão
anual.
Ignorando a Constituição,
alguns servidores ganham acima dos R$ 33,7 mil, salário do presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), que serve de referência para a definição do
teto. Somente, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o setor responsável pelos
pagamentos confirma que ao menos cinco servidores aposentados receberam, entre
janeiro e dezembro de 2015, valores líquidos superiores a R$ 100 mil.
Com o início do ano
legislativo, o projeto de lei 3.123/2015, que foi enviado pelo Executivo como
uma das medidas de ajuste fiscal e pretendia acabar com os supersalários de
servidores do Legislativo e do Judiciário, pode perder sua função com as
alterações realizadas por parlamentares. O PL, que já está na pauta do Plenário
e deve ser votado após as medidas provisórias que trancam a pauta, foi alterado
por deputados durante as comissões e precisará de um novo relator na próxima
etapa. A intenção inicial do governo era regulamentar o artigo da Constituição
sobre o teto salarial aos funcionários públicos de todos os níveis.
Na avaliação do relator da
matéria na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, deputado Nelson
Marchezan Junior (PSDB-RS), o projeto seria desnecessário caso os outros
poderes resolvessem cumprir o que está estabelecido na Constituição. "Essa
é uma prática que foi legalizada pelo judiciário", afirmou.
Levantamentos realizados
pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, no Ministério Público
Federal, órgão responsável pela investigação da operação Lava-Jato, que engloba
a Procuradoria-Geral República, mostram que mais de 50% dos procuradores e
subprocuradores recebem acima do teto constitucional. Em alguns casos, a
remuneração média de um subprocurador-geral da República foi de R$ 62 mil em
2015, já considerando o 13º salário e o adicional de férias, ou seja, quase o
dobro do permitido em lei.
A maior brecha usada pelos
servidores para receber os supersalários é a utilização de verbas
indenizatórias. Os recursos não são considerados remuneração permanente e, além
não serem passíveis de Imposto de Renda e contribuição previdenciária, também
não exigem uma comprovação quanto a utilização de benefícios como
auxílio-moradia.
Para o advogado e professor
da Universidade Federal de Pernambuco, Francisco Queiroz, a situação é tão
absurda que, em meio à crise e a inflação alta, "a remuneração do Supremo
deixou de ser teto e passou a ser um piso, e isso precisa ser repensado".
O advogado Diego Alonso, do
escritório AFC Advogados, reconhece a imoralidade da situação, mas destaca que
"por se tratar de direitos e garantias constitucionais, é um grande
desafio aprovar o Projeto de Lei, levando-se em consideração os princípios do
direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada".
Na avaliação do relator do
projeto, um ponto de partida para extinguir seria, no mínimo, começar a cobrar
as notas fiscais das despesas que precisam de reembolso. "É preciso
separar o que é indenizatório do que é remuneratório, não pode complementar
salário com indenização", disse Marchezan.
No vermelho
Nos municípios e nos
Estados, o teto do funcionalismo público é balizado pelos salários de prefeitos
e governadores. Na esfera judicial destes entes federativos a referência para
calcular o teto é de 90,25% do salário do presidente do STF. No entanto, há,
assim como na União, diversos casos que extrapolam este limite.
O Rio de Janeiro, comandado
por Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ), é um exemplo de um Estado que poderia
melhorar suas contas aplicando a Constituição. De acordo com dados abertos do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, até outubro de 2014, a remuneração média dos
magistrados era de R$ 40 mil, ou seja, acima dos R$ 30,4 mil que deveria ser
utilizado como teto neste caso.
Com o valor que governo
economizaria caso os tetos fossem respeitados, 481 juízes a mais poderiam ser
adicionados ao quadro do Tribunal. Em 2010, a remuneração média dos magistrados
foi de R$ 50,7 mil. Se o teto constitucional fosse respeitado, o tribunal
poderia receber cerca de mil juízes a mais.
Justificativas
Em resposta, o Ministério
Público Federal afirmou que despesas de caráter indenizatório não estão
sujeitas ao teto constitucional. O MPF lista como possibilidade de complemento
de renda: ajuda de custo para mudança e transporte, auxílio-alimentação,
auxílio-moradia, diárias, auxílio-funeral, indenização de férias não
utilizadas, indenização de transporte, e outras parcelas indenizatórias
previstas em lei.
Além dessas exceções,
benefícios de caráter permanente como planos de previdência instituídos por
entidades fechadas, benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
também não fazem parte da regra.
O Ministério Público Federal
argumenta ainda que há auxílios de "caráter eventual ou temporário",
como plano de assistência médico-social e bolsa de estudo, que não recolhem
Imposto de Renda e não podem ser considerados salários.
Já o Superior Tribunal de
Justiça (STJ), os valores dos cinco aposentados que ganharam R$ 100 mil por mês
no ano passado são relativos a períodos de licença-prêmio e de férias não usufruídas,
"que foram convertidos em dinheiro quando os servidores se aposentaram,
conforme prevê a lei". "Como são verbas indenizatórias, elas não
estão sujeitas ao teto remuneratório constitucional", argumenta.
Fonte: Estadão Conteúdo