Foto: Ilustrativa |
Por Sergio Marcone Santos
Todos nós mentimos.
A sinceridade, tal qual a
honestidade, a felicidade e outras beldades da existência são quimeras, ou
seja, nunca as atingiremos plenamente, porém, persegui-las a ponto de nos aproximar ao máximo delas seria o ideal.
A mentira é a vitamina C de nossa existência.
Já pensou se fôssemos sempre verdadeiros? Além de chatos, já teríamos nos
exterminado como espécie. Tudo que você omite
no falar, no agir, nos gestos soa ao outro como uma aceitação,
estabelecendo aí um convívio, um contrato social. Há insuportáveis que se
orgulham de coisas do tipo “eu digo sempre a verdade, doa a quem doer”. São
sincericidas, cometem sincericídio. Sabe-se logo que se tratam de
inconvenientes, imbecis que confundem falta de educação com sinceridade (Quer
salvar um sincericida? Ensina pra ele o que são eufemismo e ironia. Coloque-o
pra ler Nelson Rodrigues e Oscar Wilde. Mas aviso que geralmente são
incuráveis).
Por mentirmos muito,
acabamos criando um grau para as
mentiras. Elas podem ser inofensivas, ou do bem. Dizer que o pneu do
ônibus furou para justificar um atraso
no trabalho, quando na verdade acordamos tarde porque assistimos àquela série
até altas horas, ou responder à pergunta “estou bonita(o)?” com um “urrum...” que pode significar várias
coisas, inclusive nada. Uma mentira muito do mal seria o famoso “eu te
amo” quando na verdade nem a si mesmo
você ama.
Mas no quesito pais da
mentira encontram-se os políticos. Eles são nosso totem e nosso tabu. Eles vêm
quase que automaticamente à nossa cabeça
quando queremos nos julgar distantes da perfídia da mentira (meu Deus, que
redundância...). Sim, os políticos conseguem nos redimir quando nos sentimos os
maiores enganadores das galáxias. Os políticos elevam a mentira à estatura de
paraíso na terra. Eles colocarão a comida em seu prato, te darão TV de 48
polegadas e carro na garagem. Te darão educação e saúde, emprego e uma nega
chamada Teresa. Sabemos que nada disso existirá, mesmo assim votamos.
Como a mentira é uma
convenção que nos permite, dentre outras coisas, a aceitação do outro, ela
passa a ser imprescindível na relação eleitor/eleito. Se fôssemos para ser
“verdadeiros” daríamos nosso voto a
pouquíssimos políticos ou a nenhum. Mas não, preferimos aquele jogo cujo final
já sabemos.
Há ainda, como aquele
enamorado cujas evidências da traição de seu parceiro são visíveis, mas que
continua se negando a enxergar as puladas de cerca, os que continuam patinando
no gelo do autoengano, uma das muitas máscaras da mentira. Exemplo: embora
todas as evidências apontem que houve burla na Lei de Responsabilidade Fiscal
durante o governo da presidente Dilma
Rousseff (uma mentira cujo grau está em 11 milhões de desempregados), muitos de
seus simpatizantes nega a burla, não raro atrelando a sentimentos típicos dos
enamorados: ela seria vítima (impressionante
isso: hoje todo o mundo é vítima de alguma coisa) de traição e de um golpe.
Aqueles que denegam a
verdade, relegando-a a algo subjetivo, querem transformar a mentira no que eu
chamaria de supramentira, aquilo que
transcenderia a verdade e a mentira. Seria a verdade da mentira. Ora, se não houve abuso da Lei por parte da
presidente, toda e qualquer prova em contrário passa a ser “golpe”, embora a presidente ainda não consiga provar nem
apontar de forma material os autores desse golpe, logo, estamos no campo do
subjetivo. Deputados até a instaram judicialmente a provar o golpe e ministros
da Suprema Corte foram contrários ao discurso de golpe.
Para além da essência da
mentira, aqui já entramos em outra área, a da patologia. Uma supramentira dita
várias vezes poderia transforma-se em verdade de mentira, ou pode demonstrar uma doença que, nesse caso, o
sintoma seria a fé cega no sectarismo ou em qualquer coisa que conseguisse
rasgar a Constituição, essa Carta que
fala a verdade ao propor afastamento para aqueles que mentem.
Menti quanto ao título desse
texto. Não é meu. É de um livro de Mario Vargas Llosa.
Viram? Até eu minto.
Sergio Marcone Santos é formado em Letras Vernáculas pela UEFS e pós graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela Unifacs |
*As opiniões emitidas em artigos assinados no site Diário da Notícia são de inteira e única responsabilidade dos seus autores.