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Por Sergio Marcone Santos
Sinceramente, sair de casa dia dois de outubro, ter que lembrar da seção, pegar fila, ouvir o tininim da máquina para depositar um voto, não é um bom programa tal o quadro de degradação política em que nos encontramos.
A vontade é a de que não fôssemos obrigados a isso e que os muito interessados por política que resolvessem por nós, indo lá votar enquanto iríamos aproveitar nosso dia.
Mas a coisa não é tão simples assim. Pessoas morreram e foram torturadas para que pudéssemos, hoje, ter direito de votar. Temos, portanto, um motivo para votar que se impõe: solidariedade.
Você pode estar achando que enlouqueci de vez ao não dizer que o maior motivo é a democracia. Pois ser solidário é ser democrático. Essa solidariedade é uma das formas de conseguirmos “apalpar” a democracia, já que esta é uma ideia que habita um imaginário, uma quimera, quase uma utopia. Acontece, porém, que ser solidário com algo ou alguém no Brasil é sinônimo de ser uma besta, um otário.
Mas, quantas vezes nos pegamos pensando se realmente todos esses políticos nos representam “de verdade”? Ou quantas vezes nem lembramos em quem votamos nas últimas eleições?
O problema é que a conta sempre é nossa. Não só a financeira, mas quando votamos, legitimamos através da “desmo-cracia” (força, poder do povo, em grego) todo e qualquer desmando porventura existente nos pleitos, ou seja, a culpa sempre será do povão no frigir dos ovos, por ter colocado os fulanos e as sicranas no poder.
Alguns cientistas políticos afirmam que regimes democráticos não espelham, na realidade, o melhor para todos. De um lado estão escolhas equivocadas nossas, do povo. De outro, o dilema da representatividade política já citado acima. No entanto, é o que temos para hoje: a democracia ainda é a melhor forma de ajustar, meio calabresa-meio muzzarela, a sociedade.
Tivemos um exemplo disso recentemente. A decisão da população do Reino Unido de sair da União Europeia (Brexit) gerou um quiproquó que acabou por questionar a forma e a eficácia da democracia. Quando os eleitores optaram por sair do bloco, logo alguns questionaram o “atraso” das pessoas que moram no interior da Inglaterra e que por esse motivo o “sim” para sair da UE venceu. Outros reclamaram das regras da votação, que foi por maioria simples e não por maioria absoluta (50+1). Falaram até em cancelamento do plebiscito, ou seja, o poder emana do povo desde que ele vote como “eu quero”. Resultado: a votação, em papel diga-se de passagem, continua soberana e o Reino Unido desapeou da UE.
Por outro lado, o maior desabafo contra tudo que está aí seria o voto nulo. Não colaborar com o descalabro e a sem-vergonhice de nossa política teria uma solução simples: não votar em ninguém. Poncio Pilatos também lavou as mãos e o resultado você já sabe. Mas estamos numa democracia. Faça o que melhor lhe aprouver.
Já o gigante Millôr Fernandes (1923-2012), que certa vez recebeu uma cusparada (anti)democrática de Chico Buarque num restaurante, foi ironicamente fatalista: “Democracia é passar a mão na bunda do guarda”.
Um troço deveras complicado, portanto.
P.S.: Esse mesmo Chico Buarque, anos depois, reclamaria do assédio de algumas pessoas que questionaram seu posicionamento político ao saírem de um restaurante no Rio de Janeiro, o que mostra outro dilema da democracia: a seletividade, ou seja, todos são iguais, mas uns têm olhos azuis. E olhe que ninguém cuspiu (nem jogou pedra) no amigo da Geni.
Sergio Marcone Santos é formado em Letras Vernáculas pela UEFS e pós graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela Unifacs |
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