Foto: Ilustrativa | O Excluido |
Por Sergio Marcone Santos
Era uma vez um país em que apenas nos 15 anos que antecederam um plano econômico, a inflação mediu 20.759.903.275.651%. Nesse país, o que se comprava pela manhã, à noite custava o triplo. Então um presidente, que gostava de ir à Sapucaí ao lado de modelos sem peça íntima, junto com sua equipe econômica criou um plano, e diante de títulos que pareciam tudo menos uma ideia salvadora (Cruzado, Cruzado Novo etc.), deu um nome que remete ao resultado: Real.
A verdadeira distribuição de renda é a estabilidade econômica, não há outra, dizem especialistas. Um dos pais do plano tornou-se presidente depois. Começaríamos então a moda do vale-gás, vale-isso, vale-aquilo. Era o aprofundamento da divisão de renda que começara com a estabilidade da moeda. Houve também uma enxurrada de privatizações, numa tentativa de tirar do paquidérmico Estado o gerenciamento e os prejuízos que as estatais causavam.
Era uma vez um presidente que sucedeu a esse período que aprofundou de forma radical todos os benefícios aos mais pobres. Organizou todos aqueles “vales” numa bolsa só – Bolsa-Família -, subsidiou carros, eletrodomésticos. Havia crédito em abundância no mercado. Nunca comprar um imóvel foi tão fácil.
A dinheirama de que o país dispunha vinha do alto preço das “commodities”, uma espécie de riqueza que nasce da terra (isso mesmo: laranja, feijão, soja etc.), e suas vendas para países ricos e populosos como a China.
O que não aconteceu nesse período foi perceber que toda a felicidade que o consumo nos dá é passageira. Precisamos sim do supérfluo, mas precisamos muito mais do básico como saúde, educação, emprego e segurança.
Para gerar tudo isso é preciso investimento. E ele foi prometido. Foi criado o PAC, “Programa de Aceleração do Crescimento”. Nele, teríamos estradas, portos, aeroportos, ferrovias, estaleiros e tudo o mais que fosse necessário para produzir, difundir e gerar riquezas. Seria o auge. Moradias para o povo (“Minha Casa, Minha Vida - MCMV”) e maior acesso às universidades estavam a todo vapor. Nunca antes na história desse país se teve tamanha ilusão de ser feliz. Um nordestino, metalúrgico, carismático, cachaceiro. Ele era um de nós, não um sociólogo que dava aulas na Sorbonne (“Sorb... o quê?”).
Só que tudo isso era uma bolha que estourou em pouco tempo.
O MCMV comprovou-se eficaz em parte por dar acesso ao imóvel, mas não ao que estava ao redor dele. Bairros sem postos de saúde, segurança, escolas, bibliotecas, jardins etc. legam aos seus moradores a certeza de que ter um teto todo seu não basta.
O PAC mostrou-se ser mais uma forma de repassar dinheiro para empreiteiras amigas e hoje, anos depois de lançado e relançado, somente duas obras estão prontas em todo o país, com todas as outras paradas ou interrompidas por suspeitas de falcatruas nos contratos. Somente aqui na Bahia temos duas nessas condições: a ferrovia Oeste/Leste e o Porto de Ilhéus, cujas vendas à iniciativa privada são tentadas há algum tempo pelo governo do Estado.
O acesso à educação, uma realidade, mostrou-se tão-somente para que, gramscianamente, fosse criado um exército de reprodutores do pensamento de esquerda. Se você duvida, veja os índices de qualidade de nossas universidades (aproveite também e veja os índices sofríveis do ensino médio, em que saber fazer contas básicas ou interpretar textos praticamente inexistem). Programas como o “Prouni” entraram em colapso pelo gasto indiscriminado e sem controle do governo. Somente no ano de 2014, ano de eleições, a candidata que nos anos 1960 assaltava bancos gastou o orçamento igual ao de três anos anteriores juntos.
Vieram as “vacas magras” e como para todo gasto tem que ter uma receita correspondente (segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal), uma hora essa conta não fechou. Bancar toda essa farra custa caro. Faltou dinheiro até para os programas sociais que outrora tiraram tanta gente da linha da pobreza (mais por uma questão de crescimento da economia no mundo inteiro, do que por mérito do presidente de nove dedos. Nesse período, o mundo cresceu em torno de 5%, o Brasil 4% e a maioria dos países emergentes teve crescimento maior que o brasileiro, o que prova mais uma mentira). A solução? Colocaram os bancos públicos para pagar. Isso é crime, simples assim, e aquela criatura que estocava vento e saudava a mandioca foi expulsa.
O país quebrou fruto da corrupção e da incompetência. Temos 11 milhões (quase 20 cidades como Feira de Santana) de desempregados. Esses desempregados não estão conseguindo pagar o aluguel, a alimentação, os remédios. Como consequência o comércio não vende. Se não vende, a indústria não produz. Se não produz, desemprega. E esse inferno tem a forma de estrela vermelha.
Era uma vez uma família, que por acaso é a minha, que internou uma mãe no Hospital Geral Clériston Andrade, gerido pelo governo do Estado, em Feira de Santana, porque ela havia caído e quebrado o fêmur. Não pôde fazer a intervenção cirúrgica um mês depois porque a cama de cirurgia estava quebrada. Tarde demais. Ela havia adquirido bactérias que agiam em forma de uma ferida com pus e um buraco profundo nas costas. A morte está próxima.
Nesse país, em meio às mentiras de crescimento e na preferência por geladeiras à saúde, não há espaço para a vida. Uma senhora de 88 anos deve morrer para que passe a não receber mais a parca pensão do INSS, deve desocupar o leito de hospital e parar de gastar com remédios para que a soma desses recursos sobrem para alimentar a corrupção. “Ora, onde já se viu alguém ainda querer viver aos 88 anos!!! Que abuso!!”, bem provavelmente pensam.
Era uma vez um país em que boa parte da corja está na cadeia e o restante dela preparando-se para ir à pé até Curitiba, sede das investigações da Operação Lava Jato.
Oxalá a cadeia seja a bactéria que os consuma.
Sergio Marcone Santos é formado em Letras Vernáculas pela UEFS e pós graduando em Comunicação em Mídias Digitais pela Unifacs |
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