Fotos: Arquivo pessoal |Facebook |
A ex-mulher do capoeirista Esquiva, Ana Carla Portela escreveu um texto emocionante em sua página no Facebook. Esquiva se suicidou neste domingo, 01/07, pulando da Ponte Pedra do Cavalo, que passa sobre o Rio Paraguaçu, entre as cidades de São Félix e Cachoeira, no Recôncavo Baiano (saiba mais).
Leia o texto feito por Ana Carla na rede social:
"Se...
O suicídio sempre mata as pessoas que ficam, também mortas, pelo SE. Se eu tivesse atendido a ligação, se eu tivesse ligado, se eu soubesse, se eu tivesse perguntado, se eu tivesse percebido... Muitos SEs hoje são só meus e me matam. Se eu tivesse desistido da separação, se eu tivesse aceitado mais uma vez nossa relação à despeito das traições, se eu tivesse desistido de sair de casa quando seus olhinhos tristes me acompanharam, se eu tivesse desistido de viver inteira mesmo estando viva. Se... se... eu pudesse entender o universo que é um outro ser humano e impedi-lo de tentar contra si mesmo e despencar agarrado com vida de todos que o amam.
Sinto-me culpada, afinal sou mulher e fui sua mulher! O mundo reservou o lugar da culpa para nós, o que aliado a um suicídio é cruel. Culpada por ter vivido um relação de amor por quase oito anos, culpada por ter sido absolutamente fiel ao meu sentimento, culpada por ter feito dele parte de tudo que é mais meu, família, amigos, sonhos. Culpada por termos feito juntos uma vida tão difícil de abdicar, que o ponto final torna-se o final da linha. Culpada por jamais acreditar que ele pudesse desistir de aqui estar para lutar pela vida, pois a nossa existência é luta e só. Culpada por tentar ser essa mulher forte, as vezes dura demais, que sobrevive em cada instante as perdas de três irmãos arrancados jovens pelo racismo. Culpada por ter ter sido forte demais, dura demais para entender suas fragilidades. Culpada por até ontem nunca ter desistido de viver.
Esquiva era um homem lindo cuja energia capturava adultos e crianças. Sempre fui briguenta e ele a doçura em forma de existência. Eu amei este homem desde o dia em que o vi num São João sem titubear, apesar do shortinho desfiado sem camisa no samba de roda com uma tropa de mulheres em volta. Eu aceitei neste mundo machista ser a provedora do nosso lar, pois entendo como o racismo é perverso com os nossos homens e desde o pós-escravidão nos faz o pilar, emocional e material, de muitas famílias negras. Achei que tinha feito tudo ao meu alcance por nós, mas hoje queria ter feito mais, até porque de nós mulheres negras o mundo sempre exige até sangrar.
Peço que respeitem a dor que me dilacera, que façam desta história uma aprendizado para tod@s nós. Este mundo nos adoece de muitas formas, nos mata de muitas formas. O suicídio é uma crueldade vestida de tabu, mas que escancara o que somos. Desistam das cruéis perguntas que só beliscam as feridas expostas. Eu conhecia muitas das dores desse homem que foi meu e ao longo desses anos lambemos juntos nossas feridas. Nunca sabemos exatamente as razões para um suicídio, mas sabemos que nunca é apenas UMA. Acho que algumas moram dentro da pessoa e podem ser regadas aqui e ali, florescendo um tantinho a cada dia com todas as razões que temos todos os dias para sucumbir. Para os que têm sanha de sentença, estou certa de que nossa separação é sim um dos motivos, aquele que revolveu outras dores, mas não é o único. Não acredito ser no mundo a única pessoa em que alguém tão amado como Esquiva pudesse depositar seu início, meio e fim. Somos, todos nós, sempre o resultado de muitas dores e amores. Hoje ele é a minha maior dor, eu que pensei já ter encerrado a coleção de um vida. Vou cuidar do meu juízo depois, vou me inspirar na mãe dele que, diante da dor da perda do filho mais querido, a todos têm confortado. Uma força estranha que entranha a todos em volta. Vou me inspirar em mainha que sobrevive a perda de dois filhos com muita fé e leveza. Vou me inspirar nas nossas!
Que meu dengo, meu filhote, encontre a paz que neste mundo sonhamos. Suna e eu tentaremos sobreviver a isto, ainda não sei como, ela sem entender por ser bicho e eu sem entender por ser gente.
Obrigada a todos os braços que hoje me amparam."