Foto: Reprodução | Jornal Nacional (Globo) |
Por Bruno Durães*
Estamos vivendo uma eleição histórica. É a mais indefinida dos últimos 35 ou 40 anos. Isso ocorre não apenas pelos novos meios de comunicação (redes sociais, aplicativos e etc.), mas pela crise social (desemprego, informalidade, desalento, economia fraca etc.) e política (aumento da desesperança e desconfiança com as ações do Governo e com os eleitos) que passamos, pelos casos de corrupção, pelo descrédito com a “política” e pela consciência dos eleitores. Esta tem sim a capacidade de olhar o presente, vendo o passado e imaginando o futuro. Não se pode subestimar o povo. E não acho que seja mais puramente “apenas” a lógica tradicional da política que temos, tipo: “diga em quem vai votar, que eu votarei também” – seguindo um comportamento de “manada”. A prova disso é a transferência de votos de Lula, que não está sendo absoluta como foi cogitada. Ao contrário, ainda está incerta.
O momento é também positivo, pois vivemos um verdadeiro “laboratório político-social”, terreno fértil para entender como é feita a “política”. Vive-se hoje um aprendizado democrático, ao passo que a própria Democracia Representativa é posta à prova, ficando explícito o limite dos poderes e das instituições – é visível na fala de comandantes militares, interferindo em assuntos que não lhe cabem, ou na ação de juízes para além de sua competência ou na falta de provas para condenar as pessoas.
Dentro desse contexto, trago uma análise sobre a primeira entrevista do candidato Fernando Haddad ao JN, com a intenção de contribuir com o debate e entender a conjuntura e as próximas cenas. Para tanto, ficarei restrito ao conteúdo e aos comportamentos verbais e não-verbais, não focando a análise na condução realizada pelos jornalistas (no “espetáculo”) e nem sobre os interesses da entrevista/emissora. Ficou evidente, sem dúvida, que a entrevista foi “incisiva” e fugiu das propostas.
Logo no início, o candidato estava nervoso e abalado com a afirmação de corrupção nos Governos do PT. Na sequência, expressou bem sobre o fortalecimento das instituições democráticas (como ministério público e polícia federal, que se fortaleceram nos Governos petistas), mas não falou sobre a possibilidade de seu Partido fazer "autocrítica" (a pergunta era essa, mas não respondeu). Dessa maneira, a imagem da corrupção e dos erros passados foi mais forte do que a retórica do candidato. Essa imagem pode reforçar, o "antipetismo" (infelizmente, pois ainda acho que o PT é um partido importante, apesar dos seus equívocos, mas ainda tem militantes comprometidos e que possuem sonhos de um Brasil justo etc.).
Após os dez primeiros minutos, o candidato interpela e comete um equívoco, desnecessário, quando diz para o entrevistador: "Você está perguntando para o Fernando Haddad, candidato à presidência". Era óbvio que sim ou iriam perguntar para quem? Para Lula? O entrevistado era ele. Depois, falou muito bem sobre o fato de nunca terem “partidarizado” o judiciário, após Bonner e Renata falarem que os governos petistas nomearam diversos ministros/desembargadores para tribunais, e, que, portanto, como poderiam agora desconfiar da Justiça. Haddad continuou bem e disse: "Isso não significa que o judiciário não possa errar". Foi bem e escapou de acusar o judiciário de "conspiração", como havia sido sugerido pelos apresentadores. Essa foi uma armadilha posta e Haddad "pulou a fogueira" literalmente. Contudo, na hora que Bonner diz, por volta dos 15 minutos: “Candidato, seu nome foi citado na delação da Odebrecht", na sequência, a Câmara mostra Haddad em close (pode-se criticar essa forma de aproximação da imagem, mas não irei discutir aqui) e ele está com um semblante de desespero e passa a mão no cabelo, demonstrando nervosismo, depois passa a mão no nariz, sentindo-se desconfortável (ele irá repetir esses gestos em situações de críticas). Vale dizer que Haddad reagiu bem quando foi acusado, ele próprio, de ser corrupto, via acusação do Ministério Público, por “lavagem de dinheiro, corrupção passiva e formação de quadrilha”, como disse Bonner, e por estar na “lavajato”. E foi ótimo ao acusar os apresentadores de "subverter os fatos". Excelente! Mas, de toda forma, parece ficar muito confuso para as pessoas entenderem essa indagação toda de corrupção e etc., acho eu. Isso pode atrapalhar mais do que ajudar, mas também por culpa das perguntas que eram feitas. Cabe destacar que Haddad falou em números e que economizou na gestão em São Paulo. Os apresentadores avançaram em dizer que Haddad saiu derrotado no 1° turno em SP, mas ele reagiu bem com os dados em educação (obviamente que sair derrotado não significa o fim da história. Lula saiu derrotado de várias eleições).
Outro momento emblemático da entrevista, após 20 minutos, ocorreu quando o candidato tenta justificar os motivos da derrota no 1º turno. Cita Temer e Tasso Jereissati (PSDB). Ou seja, apoia-se em duas figuras de direita e no vice de Dilma, o "temeroso". Deveria ter citado outro candidato ou lideranças do seu próprio partido, terminou valorizando o discurso do opositor (ou “dos conspiradores” ou “sabotadores”), demonstrando pouca “personalidade” e baixa autoconfiança. Isto é, não se saiu bem nesse momento e disse que o eleitor foi "induzido ao erro" ao votar no outro candidato a prefeito de São Paulo que foi eleito (Dória). Afirmação perigosa. Pode ter aberto espaço para ser acusado de ter chamado os eleitores de "burros" no voto. O que também abre brecha para um desrespeito à soberania popular. É arriscado falar esse tipo de coisa no Brasil, em que a democracia está em crise. Por volta dos minutos 21, 22 e 23, Bonner colocou o candidato no "canto" com a interpelação que fez (esse foi o pior momento do candidato e revela também o exagero do jornalista, que passa a ser um debatedor, anulando seu papel de entrevistador) e falou com dados (com fundamento), afirmando que a derrota do candidato em SP foi por “insatisfação popular” diante de "promessas não cumpridas". Haddad não soube reagir. Sua expressão facial era de "Sim, falhei nisso". Disse Bonner: “Prometeu construir 55 mil moradias e entregou 15 mil”. Lembram do prédio-ocupação, no Centro de SP, que desabou em 2018? Ou seja, moradia é um tema grave em uma cidade com cerca de 12 milhões de habitantes, portanto, um prefeito precisa tratar bem isso. Assim, achei a resposta de Haddad insatisfatória. Continuou o entrevistador: “Prometeu 43 unidades básicas de saúde, entregou 12, e meio milhão de pessoas esperando para fazer exame de saúde, além de ter prometido 2 mil guardas civis, mas só 600 foram contratados” (temas criticados e que ficaram sem resposta: habitação, saúde e segurança pública).
Ademais, Haddad se embolou novamente com a história das "metas" (lembra até Dilma nesse item). E fez uma fala também ruim quando disse que o PSDB "sabotou" o Governo Dilma. Por um lado, isso reforçou a guerra PT x PSDB e, por outro, colocou a culpa "no outro" e não assumiu seus erros (não cometeram?). E se apoiou em uma declaração do dia anterior de Jereissati. Ou seja, de 1° de janeiro de 2015 até 13 de setembro de 2018, ele e o Governo do PT (Dilma) não sabiam dos problemas? Só passaram a saber agora, quando o "opositor" (ou “sabotador”) assumiu uma posição pública? E por que Jereissati soltou essa declaração em franca guerra eleitoral e em franca derrocada do PSDB nas pesquisas? Quais seus interesses em fornecer “argumentos” para Haddad um dia antes da entrevista no JN? Isso fica em aberto para os próximos capítulos. Voltando, Haddad, novamente, mostra que o PT não fez a tal “autocrítica”. Errar é humano e faz parte da vida pública, mas o candidato não adotou essa linha. Sobretudo, em um país enorme, diverso e cheio de problemas sociais como o Brasil (um país rico, mas complexo), o erro faz parte (e fará) de qualquer Governo (errar, consertar, melhorar e seguir). Logo, o candidato não demonstrou humildade e isso seria importante para conquistar a confiança do povo, que anda abalada. Também é importante o candidato mostrar quem ele é, e não mais falar de outra pessoa. E, no final da entrevista, Bonner novamente golpeia forte Haddad, quando fala do déficit econômico do Brasil em meados de 2014, e que Dilma, na época candidata a reeleição, dizia que estava "tudo maravilha" (passando “ilusão” na época do processo eleitoral), afirmou Bonner. Nessa hora, Haddad, mais uma vez, demonstrou abatimento. Ou seja, não consegue reagir, fica atônito. No minuto final Haddad se embola em acusar Cunha e Aécio por aprovarem despesas que quebraram o Governo Dilma (“pauta bomba” e etc.). Acusar Cunha é contraditório, pois ele era base de apoio do governo (era do PMDB, assim como Temer). Segundo, Aécio não era presidente de nada e nem Ministro de Dilma. Como ele aprovou então as despesas faladas por Haddad? Ficou evidente que Haddad se mostrou abalado.
Na fala final, no seu último minuto, Haddad melhora e recoloca os avanços dos Governos petistas e defendeu a proposta de um "desenvolvimento com inclusão", melhora, mas desliza em falar que o problema com Dilma começou quando Aécio passou a contestar as eleições, novamente colocando a culpa apenas "nos outros" e usando do discurso do opositor (ou “dos conspiradores”) como o elemento de sua fala, dando visibilidade (e legitimidade) para alguém que, supostamente, sempre esteve “atacando” (e “sabotando”) o Governo. Cadê a autonomia do Candidato para falar com seus próprios argumentos? Haddad finaliza bem com o lema histórico petista: "Vamos fazer o Brasil feliz de novo".
Avaliação Geral: Achei o desempenho de Haddad limitado/insuficiente, mas também é preciso considerar que foi a primeira exposição do candidato em rede nacional. Outrossim, como de costume, os apresentadores foram incisivos e não perguntaram quase nada sobre Programa de Governo – conduta ocorrida também com os outros candidatos (menos com Alckmin). Todavia, considero que o candidato irá precisar de muito mais do que isso para resistir aos “ataques pesados” (no campo dos argumentos, obviamente) que virão. Sobretudo se for para o segundo turno.
Fica evidente que o legado Lula/PT ajuda e atrapalha. Por um lado, o candidato carrega o peso dos problemas e erros, mas, por outro lado, herda os louros do ex-presidente – com toda a “mística” relacionada, mas não podemos apagar os problemas do Governo Dilma, como os cortes de recursos para o Estado (Universidades, Hospitais, PAC, Minha casa minha vida) ou a flexibilização de direitos trabalhistas (reduziu o seguro desemprego). É um legado em si contraditório, duas faces da mesma moeda.
A ideia da simples transferência de voto também revela um elemento ruim na política nacional, que é a perpetuação da lógica do “personalismo” e do voto por indicação e não por convicção. Todavia, o voto em Haddad também carrega elementos de resistência, assim como o voto em Ciro vai nessa mesma direção. Por fim, estamos em uma era de regressão social e de perdas de direitos. Querem até proibir a liberdade de reflexão dos/as professores/as nas Escolas, vão vetar o conhecimento? É preciso avaliar com frieza o contexto para não vacilar na escolha do/a candidato/a e para não regredirmos mais.
*Bruno Durães (Sociólogo e Professor da UFRB)