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A luta do povo preto e do povo de santo estará em evidência no próximo dia 10 de fevereiro, quando será realizada a 10ª Caminhada da Pedra de Xangô, no bairro de Cajazeiras X. Diante dos recentes casos de violência contra o rochedo, que é patrimônio cultural de Salvador e considerado o maior monumento orixá do Brasil, o tema do evento este ano será "Intolerância não, respeito sim".
Organizadora da festa e uma espécie de guardiã da Pedra de Xangô, Mãe Iara de Oxum contou em entrevista à Tribuna da Bahia que o número de participantes deve dobrar, na comparação com a caminhada realizada em 2018.
"Será mais uma vez um lindo tapete branco. Vamos receber mais de 15 caravanas. Vem gente do interior da Bahia, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas, do Brasil todo. Já vieram também pessoas da África, de outros países", disse, lembrando que as pessoas usam branco durante o evento.
A 10ª Caminhada da Pedra de Xangô está marcada para começar às 7h30, com concentração no Campo da Pronaica, seguindo pela Avenida Assis Valente, onde está localizado o monumento.
"Essa reunião do povo de santo é para mostrar que estamos aí e que precisamos nos unir a favor do respeito. É dizer não para a intolerância. Dizer que queremos respeito pela nossa ancestralidade. As pessoas precisam ter um olhar mais carinhoso para esse monumento", afirma Mãe Iara.
Para viabilizar o evento, a líder religiosa está se reunindo com algumas secretarias municipais. Esta semana o encontro foi com a titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Fabya Reis, que já manifestou apoio à festa.
“A Caminhada da Pedra de Xangô já é emblemática e vem ganhando força a cada ano. É com muita honra e determinação que sempre nos integramos a esta luta, sobretudo no reforço ao enfrentando à intolerância religiosa. Seguimos no firme diálogo firme em defesa do patrimônio da cultura afro-brasileira”, disse a secretária.
Em sua próxima edição, em 2020, a caminhada já estará integrada ao calendário festivo de Salvador. Atualmente faz parte apenas do calendário de eventos dos povos de terreiro da Bahia.
"Vai ganhar mais visibilidade. Mas tomara que menos intolerância também", disse Mãe Iara.
Passar pela Avenida Assis Valente, em Cajazeiras X, e não notar o enorme rochedo é muito difícil. Mas nem sempre foi assim. A Pedra de Xangô foi descoberta em 1990 por Mãe Iara de Oxum, quando a região era cercada por mata fechada. Ali também havia um riacho, que desapareceu com a implantação da avenida, em 2004.
"Era na mata fechada que a gente fazia oferenda aos nossos orixás.
Quando meu filho teve problema de saúde, o levei para fazer limpeza lá, quando então vi uma grande pedra dentro do riacho. Me assustou pois eu nunca havia visto. Dei banho em Anderson, meu bebê de três meses, e comecei a fazer oferenda lá. Quando fiz o jogo de ifá (búzios), foi dito que era uma pedra reverenciada ao orixá Xangô", explicou.
Após a construção da Assis Valente, o rochedo ficou exposto e com isso surgiu o medo de especulação imobiliária, uma vez que a região ficou comercialmente valorizada. Pouco depois, o temor se agravou com os rumores de que a pedra seria implodida para possibilitar a construção de apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida.
"Quando acabou a pista, já não tinha mais riacho. Na época, eu e Mãe Ziu, hoje finada, ficamos preocupadas.
Em 2009, fui para um fórum na Escola Renan Baleeiro, em Águas Claras, vi aquelas pessoas todas reunidas e pensei em fazer alguma coisa. Foi quando Mãe Ziu disse que fui escolhida por Xangô e me intuiu a fazer uma caminhada. Chamei alguns terreiros, que me apoiaram.
Foi então que começamos a fazer a manifestação", explicou.
A caminhada ocorre sempre no segundo domingo de fevereiro, após a festa de Iemanja, do dia 2. "Iemanjá é mãe de Xangô", esclarece a líder religiosa.
A Pedra de Xangô também é conhecida por ser símbolo da luta dos escravos pela libertação, pois ali se reuniram os negros no período colonial para organização do quilombo conhecido por Buraco do Tatu. Xangô é um dos principais orixás no panteão africano e o patrono da justiça.
Kaô kabiesilê, sua saudação, em tradução aproximada para o português, significa “o rei quis assim”. A rocha é sua força da natureza e o machado, seu símbolo.
avenida na capital baiana. Atos de vandalismo à Pedra do Xangô, um patrimônio cultural da religiosidade afro-baiana reconhecido oficialmente pelo Município de Salvador. O início do ano de 2019 na Bahia foi marcado pelo agravamento da intolerância religiosa.
Os casos triplicaram, de acordo com levantamento do Ministério Público da Bahia (MP-BA).
Somente na Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, em Salvador, já foram registrados em janeiro 13 casos de intolerância religiosa.
Além de ser o triplo do contabilizado em janeiro de 2018, o número é mais que o dobro da média mensal de aproximadamente seis casos notificados no ano passado.
"Infelizmente a gente vem sofrendo intolerância desde quando começa a colocar o altar em evidência. Em 2014 jogaram mais de 200 kg de sal na pedra. Em dezembro do ano passado foram mais de 100 kg.
Geralmente são evangélicos. Infelizmente, em pleno século XXI, ainda existem cabeças que não respeitam a religião do outro. As crianças precisam crescer sendo ensinadas a respeitar a diversidade. Só daí a gente vai ter tranquilidade para exercer a religião da melhor forma possível, porque Deus é um só. Podem existir todas as práticas religiosas, mas não existe outro Deus", lembrou Mãe Iara de Oxum.
Fonte: Tribuna da Bahia