Foto: Reprodução |
Uma nota técnica do Ministério da Saúde, publicada no início deste mês, foi recebida com críticas que a classificaram como um retrocesso em relação à reforma psiquiátrica e lutas antimanicomiais no país. Entre as mudanças propostas na atual Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas está a ampliação da oferta da eletroconvulsoterapia (ECT), conhecida como “eletrochoque”, para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Os contrários à prática, regulada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2002, chegam a compará-la a tortura. “Essa é uma forma absurdamente invasiva e agressiva, apesar de hoje haver essa maquiagem. Dizem que dá anestesia, então é uma forma mais humanizada de tratamento, mas que a gente compreende que não é humanizada”, argumentou a psicóloga Laís Mendes, do Coletivo Baiano da Luta Antimanicomial.
O grupo defende as diretrizes estabelecidas na Reforma Psiquiátrica, de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. Entre os dispositivos utilizados para tratamento de pacientes, de acordo com a lei, estão os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).
De acordo com a psicóloga, a ECT é capaz apenas de eliminar temporariamente os sintomas, não a doença mental. “No Centro de Atenção Psicossocial, a gente trabalha a questão social, da inclusão, do convívio.
A gente trabalha os delírios, que são também uma forma de denunciar a dor psíquica, o sofrimento. Eliminar os sintomas não trata o que o sujeito sente”, acrescentou.
Nos CAPs, explicou Mendes, são utilizados medicamentos para controle dos sintomas, combinados com o atendimento voltado para a questão social e ressignificação da loucura. “Há maior eficácia do que em um tratamento invasivo e pontual, que atende principalmente a interesses lucrativos de alguns grupos, como a ‘indústria dos manicômios’ e dos que defendem o retorno da ‘psiquiatria clássica’, com suas práticas manicomiais, aproveitando o momento político propício a normatizações e higienização social”, criticou a profissional.
Por outro lado, a eletroconvulsoterapia é apontada como o melhor tratamento para casos graves de depressão. A terapia é indicada inclusive para idosos e mulheres grávidas, por evitar a intoxicação do bebê por medicamentos. No entanto, é oferecida atualmente, no Brasil, apenas no setor privado de saúde, com altos custos.
Para o psiquiatra Luiz Fernando Pedroso, as críticas ao procedimento estão relacionadas a “manipulação política”.
“Nas últimas décadas, há um excesso de ativismo social, e as pessoas buscam uma causa para levantar uma bandeira qualquer e vão manipulando a realidade a seu bel-prazer”, afirmou.
O profissional explicou que o efeito terapêutico não está relacionado à eletricidade, mas à convulsão provocada. “Esse tratamento começa a ser concebido já no século XVIII. As pessoas com transtornos mentais que apresentavam convulsão melhoravam do transtorno mental”, pontuou.
Segundo o especialista, a corrente elétrica, nessa situação, funciona como um estímulo para produzir “uma convulsão de qualidade”.
Quanto aos efeitos colaterais, é normal que a ECT provoque náusea e perda de memória. No entanto, Pedroso ressaltou que a terapia não causa lesões no cérebro. Pelo contrário, teria efeito neuroprotetor. “As pesquisas mostram que as doenças crônicas, as depressões vão produzindo atrofias no cérebro, afetando as conexões interneuronais, e tanto medicamentos quanto a eletroconvulsoterapia restabelecem essas conexões”.
Os equipamentos usados atualmente para o tratamento seriam ainda menos danosos. “Hoje a gente usa uma aparelhagem mais moderna, com um estímulo elétrico com corrente especial próxima à corrente fisiológica normal do neurônio, e isso reduz efeitos colaterais”, disse o psiquiatra. “Isso não significa que os procedimentos antigos são ruins. Muito pelo contrário, a eletroconvulsoterapia foi o primeiro grande agente antimanicomial, foi a primeira terapia realmente efetiva para reduzir as internações psiquiátricas”, defendeu.
Fonte: Bahia Notícias