Por Sérgio Jones
Mais uma guinada do desgoverno do Jair Bolsonaro tem como objetivo atingir através de mudanças o estatuto legal dos territórios indígenas, para abri-los ao agronegócio.
Conforme afirmação feita pelo secretário nacional de Política Fundiária, Luiz Antônio Nabhan Garcia, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) “será o gestor de todas as questões fundiárias e, a partir de agora, nenhuma propriedade rural no Brasil será incluída indevidamente no Sigef (Sistema de Gestão Fundiária)”.
A iniciativa de caráter criminoso começou a cumprir a promessa e oficiou a Fundação Nacional do Índio (Funai) para que retire desse sistema as terras indígenas (TIs) que não estejam “homologadas ou regularizadas”.
Segundo o Incra, os dados sobre essas áreas teriam sido inseridos “indevidamente”.
Ao longo do processo de demarcação de TIs tem várias etapas. As duas últimas são a homologação por decreto presidencial e o registro na Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e em cartório. Com a determinação do Incra, cerca de 236 TIs que ainda não passaram por essas duas fases poderão desaparecer das bases de dados oficiais. São 74 TIs declaradas, 43 TIs identificadas e seis territórios com “restrição de uso” para índios isolados, além de 113 TIs em identificação.
Conforme explica especialistas da área, a medida adotada pelo Incra é inconstitucional. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são, desde pelo menos a Constituição de 1934, propriedade da União. E vão mais adiante ao afirmarem que o direito dos índios sobre elas é originário e independe da conclusão do procedimento administrativo de demarcação.
As consequências, deste governo de desajustados e reacionários, da exclusão dessas áreas do sistema podem ser irreversíveis para índios e proprietários rurais. Por exemplo, desde o período eleitoral, os alertas oficiais sobre desmatamento aumentaram, em especial no interior das TIs e Unidades de Conservação.
Diante do exposto, não havendo informação pública sobre onde estão 236 TIs, o próprio Incra poderá conceder títulos para grileiros que ocupam ilegalmente as terras. Detentores de títulos de terras sobrepostas aos territórios indígenas poderão obter licenças ambientais para atividades como o desmatamento. Sendo até mesmo atividades minerárias em TIs, que dependem de autorização do Congresso e de lei específica (ainda inexistente), poderão ser autorizadas por órgãos ambientais. Também será possível vender um imóvel sobreposto a uma TI sem que o comprador saiba disso. Na prática, a medida do Incra estimula o desmatamento, a grilagem, a insegurança jurídica, invasões e conflitos de terra.
O que fica patenteado em todo este show de horrores é que os direitos inalienáveis dos índios às suas terras e ao usufruto de seus recursos ficarão ainda mais vulneráveis a selvageria de seus usurpadores, o que inclui no rol dessas vítimas os índios isolados, sem contato oficial com o Estado, especialmente vulneráveis à violência e à disseminação de doenças.
De forma debochada o Bolsonaro diz que os índios são seus “irmãos” e promete lhes respeitar os direitos. Ato este, que muito bem caracteriza a definição do conceito de cinismo: “Atitude ou caráter de pessoas que revela descaso pelas convenções sociais e pela moral vigente, imprudência, desfaçatez e descaramento”.
*Sérgio Jones, jornalista (sergiojones@live.com)