Foto: Arquivo pessoal |
*Por: Dr. Antônio Mateus Soares
A 109km da capital, Feira de Santana possui aproximadamente 630 mil habitantes (IBGE), é a 2ª. cidade do Estado da Bahia, a 11ª. da região nordeste e a 34ª do país em número populacional, seus dados são expressivos não apenas no ranking populacional e econômico, como também no índice de violência urbana. Já há algum tempo na rota da criminalidade, a Princesa do Sertão, é atualmente uma das cidades mais violentas do Brasil, ocupa a 8ª posição do Estado em índice de homicídios, com taxas de 71,4 a cada grupo de 100 mil hab., maior do que a capital que apresenta taxas de homicídios de 63,5 a cada grupo de 100 mil hab. Os dados desta análise são oriundos de uma pesquisa nacional realizada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e divulgada recentemente no Atlas da Violência 2019.
A cidade mais importante do interior da Bahia, está na lista das dez mais violentas do Estado, a liderança de homicídio na Bahia é disputada entre Simões Filho, com taxa de 119,9 mortes para cada 100 mil/hab e Porto Seguro, com 101,6 morte para cada 100 mil/hab. Os dois municípios campeões em mortes, são seguidos por Lauro de Freitas, Camaçari e Eunápolis. Estes municípios fazem parte deste ranking macabro há mais de cincos anos. Além deles aparecem na lista também os municípios de Ilhéus, Jequié, Teixeira de Freitas, Santo Antônio de Jesus, Itabuna, Vitória da Conquista, Juazeiro, Alagoinhas, Barreiras e Paulo Afonso. Na última década o fenômeno da violência na Bahia tem se ampliado e migrado da capital para cidades do interior, onde o aparato de segurança pública é mais fragilizado pela falta de investimentos, Feira de Santana acaba também sendo alvo desta migração da criminalidade.
No caso específico de Feira de Santana, alguns motivos podem justificar a sua presença nesse ranqueamento, seu comércio dinâmico e diversificado possui polarização regional, atraindo uma expressiva rotatividade de pessoas e capital. Muitos vão a cidade realizar comprar ou serviços, outros a procura de trabalho e estabelecimento da vida, mas há àqueles que vão para construir uma carreira criminosa de roubos, assaltos e homicídios. Somando-se a estes aspectos comuns do cenário urbano de uma cidade de entroncamento rodoviário interestadual, onde há intensa circulação de capital, há também o crescimento de facções criminosas associadas ao tráfico de drogas que dinamiza a vida bandida, através de um sangrento conflito pela manutenção de controles de territórios para o escoamento de drogas.
O tráfico de drogas mobiliza um conjunto de violência e crimes que o transforma no maior vilão da segurança pública brasileira, pois sua organicidade é fecundada nas lacunas e fissuras deixadas pelo Estado de Direito. Na ausência da efetividade da lei, da regra e da cidadania a exceção se institui e promove o ilegalismo. Desde a implosão de um caixa bancário ou furto de um aparelho celular, somando-se a roubo de carro, motocicletas, arrombamento de casas e outros crimes, temos entre suas intencionalidades a manutenção de uma poupança ílicita para a economia do tráfico de drogas e para a cooptação de um exército do crime, compostos na maioria do casos por adolescentes e jovens que não tiveram acesso aos seus direitos sociais (escola, saúde, emprego), na ausência do Estado de Direito, a vida bandida acaba sendo uma alternativa perversa e macabra. Muitos jovens despossuídos e deserdados pelo Estado capitalista, precocemente são investidos na carreira do crime e logo se transformam em um cadáver frio que passa a equivaler a um número estatístico.
Infelizmente gera uma situação de mal estar ao ver uma cidade produtiva como Feira de Santana em um ranqueamento mórbido como o divulgado pelo Atlas da Violência, tal situação atinge a todos os cidadãos Baianos e Feirenses, estigmatiza a cidade e demonstra a ineficácia dos poderes públicos em manter o controle social e a segurança pública, que é um dos direitos resguardados de cidadania. Se para o Feirense em geral lidar com este estigma e com a sensação de insegurança se torna um atentado a identidade local, imaginemos como os moradores dos bairros da Mangabeira, Queimadinha, Papagaio, Rua Nova, Tomba entre outros bairros se sentem, ao dormirem e acordarem ao barulho de tiros, ao perceberem que a vida de seus jovens são ceifadas pelo crime organizado e em algumas vezes pela polícia mal preparada e também vulnerabilizada por baixos salários, falta de equipamentos e insumos de qualidade para garantirem a segurança.
Qualificada como cidade polarizadora e agregadora de micro regiões do interior do Estado, a violência em Feira de Santana, também reflete em outros municípios de menor porte, sobretudo os que estão em seus limites municipais a exemplo de Santa Bárbara, Santanópolis, Tanquinho, Candel, Antônio Cardoso, São Gonçalo dos Campos, Santo Amaro, Coração de Maria, Ipecaetá, Conceição do Jacuípe, Anguera e Serra Preta, que começam a apresentar casos de violência, que vem gerando incertezas e inseguranças para sua população.
Mesmo com ações pontuais da Secretaria de Segurança, o acúmulo histórico da violência no Estado da Bahia não foi equacionado, sobretudo para barrar a crescente migração da violência da capital para às cidades do interior. A complexidade em torno da Segurança Pública, não se esgota em aumento de efetivo, melhores salários dos policiais ou investimentos em tecnologias, equipamentos e insumos. Além destas ações básicas é necessário investimentos contínuos na cidadania das pessoas e na qualificação do território ( educação, saúde, lazer e geração de emprego e renda). Não adianta o discurso de uma polícia cidadã participativa, mas que age distante da população e que não respeita os contextos específicos dos territórios (bairros e comunidades). A desigualdade social esfacela algumas comunidades, diluem vínculos identitários e elementos de pertencimento, vulnerabiliza a vida de adolescentes e jovens e os coloca em situação constante de vulnerabilidade em face da cooptação do mundo do crime.
Não há receita para conter a dinâmica do crime organizado e sua interação com a violência urbana. A complexidade em torno da criminalidade a faz um fenômeno de responsabilidade de todos, mas é importante uma ação pública mais contextualizada com os territórios e com a população. O desenvolvimento de políticas públicas intersetorizadas entre às Secretarias de Estado foi iniciado no Programa Pacto pela Vida, mas perdeu força em sua continuidade, segurança se faz com investimentos estruturais associado a ampla participação popular.
Para o leitor já exausto de ler noticias e textos sobre a violência segue algumas sugestões de ações que podem contribuir para minimizar os efeitos da violência em sua cidade, bairro, escola.
1- Aos Líderes comunitários façam um baixo assinado e entregue a Vereadores.
2- Aos Vereadores utilizem a Tribuna da Câmara para manifestarem sua insatisfação sobre a Violência Urbana. Encaminhem oficio para os Comandos da Polícia e envie representação para o Ministério Público.
3- Ao Prefeito invista em programas sociais articulados ao trabalho e ao esporte nos bairros em que os índices de violência são maiores. O investimento em infra estrutura urbana (escolas, iluminação, espaço público, quadra esportivas) é fundamental. Outro fator de importância é a ampliação das Guardas Municipais.
4- Aos Professores e Integrantes da Comunidade Escolar – realizem atividades interdisciplinares com foco na identidade do bairro, na cultura da paz e na valorização da vida.
5- Aos Policias Militares, sabemos que o trabalho de vocês é baseado na disciplina, na hierarquia e na representação ostensiva. Vocês não são culpados pela violência é uma questão estrutural, histórica e política, mas pensem que a violência também atinge a família de vocês, cautela e prevenção à cidadania é fundamental, sobretudo com o a população dos bairros mais empobrecidos e expropriados pelas lógicas capitalistas.
6- Aos Empresários e Comerciantes a violência e a criminalidade diminui atinge o seu lucro e a qualidade de vida de seus familiares. Uma ação consorciada de comerciantes apoiando iniciativas geradoras de Cultura da Paz é sempre um Marketing Positivo e gerador de Cidadania.
7- Cidadão em geral solicite de seu representantes políticos a organização de um Fórum da Cultura da Paz; pode ser feita uma abertura simbólica na Câmara de Vereadores e depois ser realizado pequenas ações em bairros e escolas.
A Segurança Pública é de responsabilidade da União e do Estado, mas culpabilizar estes entes unicamente pelos descalabros é ingênuo e politicamente irresponsável de nossa parte é importante uma ação conjunta com a sociedade civil, associações diversas, lideranças comerciais, profissionais liberais, fundações, ongs entre organizações coletivas.
Na oportunidade aproveitamos o prestígio de sua leitura para comunica-los que em novembro estaremos lançando o livro “Fenômenos da Violência no Estado da Bahia”, organizado pelo sociólogo Antônio Mateus Soares e a Delegada Claudenice Cerqueira Mayo, entre os autores temos um capitulo do Professor Jarderson Barbosa, docente da UEFS.
*Dr. Antônio Mateus Soares – Sociólogo; Licenciado em Ciências Sociais; Urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo (USP); Doutor em Ciências Sociais (USP/UFBA); Professor Adjunto da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB). Líder do Grupo de Pesquisa: Violência, Território e Direitos Humanos (CNPq). Autor de diversos livros e artigos e estudioso da Segurança Pública. E-mail:. antoniomateuscs@gmail.com IG:. @ams.dialogos