Foto: Pai Duda de Candola/Arquivo pessoal |
A tranquilidade do terreiro Ilê Axé Icimimó Agunjí Didê, em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, foi substituída por momentos de tensão na última terça-feira (9).
Em postagem feita nas redes sociais, Antônio Santos, o Pai Duda de Candola, denunciou uma invasão de homens armados ao local (assista abaixo).
No relato, ele afirma que os invasores dispararam tiros para o alto, cortaram as cercas que delimitam o terreno do terreiro de candomblé e destruíram objetos sagrados.
Na manhã desta sexta-feira (12), Pai Duda de Candola narrou ao G1 o que presenciou na última terça-feira. Ele afirma que os responsáveis pela invasão eram funcionários da empresa Penha Papéis e Embalagens, que tem sede na cidade de Santo Amaro da Purificação, vizinha a Cachoeira.
“Essa invasão já é a quarta vez que esses agressores chegam ao terreiro. Na terça-feira, por volta das 9h foi que aconteceu esse grande absurdo. Chegaram com grande violência. Eu não pude me aproximar muito, eram vários homens armados, deflagrando tiros para cima. De longe consegui tirar foto de um dos carros", disse o pai de santo.
Ao G1, a empresa disse que as denúncias de uso de violência e intolerância religiosa são falsas e que as terras mencionadas pelo terreiro pertencem ao grupo. Confira nota completa da empresa ao fim desta reportagem.
"Temos o terreiro todo cercado. Eles chegaram e cortaram os arames a cada meio metro e derrubaram a cerca, quebraram assentamentos centenários de orixás. Voltei ao local do assentamento e as ferramentas centenárias que estavam lá foram retiradas. Deixaram a roça [terreiro] aberta. Temos assentamentos de orixás dentro das matas, com a derrubada da cerca tem gado pastando dentro do terreiro. As folhas sagradas e nascentes, que são a matéria prima, a natureza da nossa religião, estão expostas, sujeitas a invasão. Isso vem acontecendo sempre. Já é a quarta vez”, completa Pai Duda.
Em nota, o Grupo Penha informou as terras mencionadas pelo Terreiro Icimimó pertencem à empresa e que através de um acordo realizado com o Ministério Público, em março de 2019, ficou autorizado que a "instituição religiosa usufruísse de um lote devidamente demarcado". O Grupo Penha afirma que Pai Duda esteve presente no dia da audiência.
A empresa conta que o terreiro quebrou o acordo inicialmente firmado e instalou cercas no perímetro que não é sua propriedade. O Grupo Penha acrescenta que foi peticionado junto ao Ministério Público e lavrada em Boletim de Ocorrência a situação.
O Grupo Penha afirma também que as denúncias de abuso de violência, intolerância religiosa são falsas. A empresa relata que age de forma responsável, que valoriza o respeito e repudia qualquer atitude que fere a diversidade cultural. Por fim, o grupo relata que o departamento jurídico está tomando todas as medidas legais para resguardar seus direitos.
Pai Duda de Candola, porém, afirma que esta foi a invasão mais grave cometida por este grupo no terreiro. Ele afirma que idosos que estão vivendo no local durante a pandemia do coronavírus passaram mal.
“Dentro desses últimos 15 dias eles foram no nosso terreiro por três vezes. Essa de terça-feira foi a mais grave, vários homens armados atirando para cima, derrubando tudo. Uma violência muito grave. Temos pessoas idosas no terreiro. Temos uma casa na cidade, mas nesse momento de pandemia a gente preferiu levar os idosos para ficar no terreiro. Eles passaram mal, todo mundo teve que sair da roça. A gente não está na cabeça ou no coração de ninguém, não sabemos o que pode acontecer”, diz.
O terreiro de candomblé foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado, desde 2014, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac). O local também é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que, em nota, afirmou que encaminhou pedido de inquérito ao Ministério Público Federal (MPF). Os responsáveis pelo terreiro também foram orientados pela Superintendência do Iphan a procurar a Defensoria Pública da União (DPU).
Já o Ipac afirmou que acionou as entidades responsáveis pela Segurança Pública do Estado, notificando o Ministério Público e a Polícia Civil da região, bem como a Prefeitura Municipal de Cachoeira.
“O terreiro é tombado pelo Iphan, registrado no Ipac, tem a associação de Seguidores de são Gerônimo, que administra o terreiro, e temos uma escritura pública de compra e venda. Com mais de cem anos. Tudo legalizado. A fundadora do terreiro comprou na mão da União Fabril da Bahia, comprou, pagou e lavrou escritura. Eles invadiram a área antes da minha sucessão no terreiro e plantaram bambu em 80% da área. A gente quer reflorestar o terreiro, quer cultuar nossos orixás na mata. O bambu está matando as nascentes, invadindo a roça”, acrescenta Pai Duda.
Pai Duda afirma que, após primeiro episódio de invasão ao local, chegou a ser feita uma audiência pública. Contudo, a situação persiste.
“Teve um incêndio no terreiro, há um tempo atrás, que começou em três pontos do bambuzal. Nas partes laterais e no fundo, a casa fica no meio. Chegou a 50 metros da casa do terreiro. Queimou a roça toda. A gente não viu quem colocou esse fogo, mas o bambu é como se fosse gasolina. Todo ano é assim, colocam fogo no bambu e sai queimando assentamento, destruindo tudo”, conta o pai de santo.
“Tem um morador da comunidade que trabalha para a Penha. Ele passa todos os dias duas ou três vezes montado a cavalo por dentro do terreiro. Isso nos causa um medo. Os idosos já não suportam mais. Todo dia ele passa a cavalo, com a farda da Penha. Eu pergunto a mando de quem ele está lá. Ele diz que a mando da fábrica, que ele é funcionário. Diz que está indo vigiar o terreiro a mando da Penha. Vigiar o que eu não sei. O terreiro é cercado de assentamentos ancestrais”, continua.
O Iphan acrescenta que o terreiro Ilê Axé Icimimó Agunjí Didê é uma das casas de Candomblé mais antigas do Recôncavo Baiano e que no dia 13 de maio recebeu tombamento emergencial, com objetivo de “preservar o lugar, referência cultural para o povo de matriz africana”.
Diretor geral do Ipac, João Carlos de Oliveira disse que "toda atitude de intimidação, comungada por ação criminosa e de viés racista e de intolerância religiosa, deve ser fortemente desamparada pela impunidade".
Veja o que disse o Iphan:
A Superintendência do Iphan na Bahia foi informada do acontecimento e já encaminhou pedido de inquérito ao Ministério Público Federal (MPF). Os responsáveis pelo terreiro também foram orientados a procurar a Defensoria Pública da União (DPU).
Uma das casas de Candomblé mais antigas do Recôncavo Baiano, na cidade de Cachoeira, o Terreiro Aganjú Didê – Ici Mimó recebeu tombamento emergencial pelo Iphan no último dia 13 de maio. A decisão tem o objetivo de preservar o lugar, referência cultural para o povo de matriz africana.
Veja o que disse o Ipac:
Segundo informações da comunidade do terreiro Ilê Axé Icimimo, localizado em Cachoeira, na manhã da última terça-feira (09), o espaço foi atacado mais uma vez, tendo suas cercas de proteção e vários assentamentos sagrados destruídos.
Por se tratar de um bem reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado, desde 2014, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), o órgão acionou as entidades responsáveis pela Segurança Pública do Estado, notificando o Ministério Público e a Polícia Civil da região, bem como a Prefeitura Municipal de Cachoeira.
"Toda atitude de intimidação, comungada por ação criminosa e de viés racista e de intolerância religiosa, deve ser fortemente desamparada pela impunidade. Nos solidarizamos com nossos irmãos e, como órgão de proteção ao bem, tomamos as atitudes cabíveis ao ato”, explicou o diretor geral do Ipac, João Carlos de Oliveira.
Veja o que disse o Grupo Penha:
O Grupo Penha detém terras na região de Cachoeira (BA) desde o ano de 2005, data em que adquiriu a antiga IPB – Indústria de Papéis da Bahia, a qual mantinha florestas de bambu na região desde a década de 70. Na oportunidade, o processo de aquisição da fábrica e seus respectivos bens acessórios ocorreram com o amparo da lei e reconhecidos com escritura registrada em cartório.
As terras mencionadas pelo TERREIRO ICIMIMÓ são de propriedade de nossa empresa, que através de um acordo com o Ministério Público realizado em 07/03/2019, ficou autorizado que a instituição religiosa usufruísse de um lote devidamente demarcado com metragem acolhida pelo Ministério Público e, também, pelo Pai Duda, que esteve presente no dia da audiência, sob a condição de que eles respeitassem esta demarcação, vez que ali a empresa cultiva bambu para gerar energia renovável para alimentação de suas caldeiras. Entretanto, o referido TERREIRO quebrou o acordo inicialmente firmado e instalou cercas em nosso perímetro.
Diante desta situação de esbulho da área, foi peticionado junto ao Ministério Público o fato, bem como lavrado Boletim de Ocorrência para preservação das propriedades do Grupo Penha. A referida cerca teve seus marcos alterados ilegalmente pelo TERREIRO.
As denúncias de uso de violência, intolerância religiosa ou qualquer acusação de ordem segregatista são evidentemente falsas. Somos um grupo empresarial idôneo que atua há quase 60 (sessenta) anos no mercado e agimos de forma responsável com as comunidades em que nossas plantas estão instaladas e com a sociedade como um todo.
Só no Estado da Bahia empregamos mais de 1 mil profissionais diretos e cerca de 3 mil indiretos. Valorizamos o respeito e repudiamos toda e qualquer atitude que fere à diversidade cultural, religiosa e ideológica e, essas premissas, são refletidas em nosso Código de Conduta, valores, esses, supremos para a companhia. Lamentamos a atitude irresponsável do TERREIRO ICIMIMÓ por proferir inverdades sobre o acontecimento dos fatos e, reiteramos, que, todas as nossas ações estão amparadas pelo Poder Judiciário.
O Departamento Jurídico do Grupo Penha já está tomando todas as medidas legais cabíveis para resguardar os direitos de nossa propriedade.
Atenciosamente
Direção Grupo Penha
Veja o que disse o denunciante: