Comentários sobre a Entrevista de Lula à Reinaldo Azevedo, na BandNews, no Programa O é da Coisa em 01 de abril de 2021

Foto: Reprodução

Por Maria Fernandes Oliveira Ramos Gonzalez Ribeiro Freyre de Holanda*
O vídeo da entrevista tem duração de 1 hora e 25 minutos e foi transmitido ao vivo dia 01 de abril de 2021, 18hs, no programa “O É da Coisa” de Reinaldo Azevedo. Quando concluir esse texto dia 02 de abril de 2021, 18:10, já constavam mais de 1,5 milhão visualizações (precisamente, 1.647.133). Esse quantitativo expressa que Lula tem audiência e existem pessoas com a expectativa por um discurso de esperança nesse momento dantesco em que vivemos de mortes pelo sarcs-cov-2/pandemia, e pelo Governo que se comporta como Genocida. O discurso em si reflete a busca pela democracia brasileira.

O ex-presidente Lula se mantém como uma referência. Sua fala é importante e seu retorno justo à esfera política e sua presença, sem dúvida, desestabiliza o cenário político e reascende o sentimento de garantia dos direitos democráticos. É sabido que ele foi vítima de injustiça, contudo não podemos ignorar que os Governos do PT se envolveram em equívocos graves, além de coalizações espúrias.

Lula apresenta-se ainda como um grande líder, mas é preciso que façamos a leitura com a devida crítica. A história não vai perdoar omissões. 

Dito isso, a intenção deste texto é uma análise reflexiva, com objetivo de pensar em possibilidades a curto prazo, pois temos uma crise social em curso, com milhões de desempregados/as, desalentados/as e informais e com milhares de mortos pela Covid, por irresponsabilidade do Governo de plantão, que faz pouco caso da vida humana, não coordena ações e ainda se coloca contra a proteção à vida, bem como atrasa a Campanha Nacional de Vacinação. O lema central agora deve ser: Vacina já para todos/as! Além disso, temos pessoas passando fome por falta do apoio. Inclusive, é criminoso reduzir o auxílio de 600 para cerca de 250/300 reais. Outro lema fundamental: Fora Bolsonaro!

Declaro que esperava mais da fala do ex-presidente. Ficou evidente que o caminho apresentado na entrevista é problemático, uma vez que ficou explícito a ausência de propostas. O ex-presidente expressou um discurso voltado para se alinhar ao centro e pela direita das ideias políticas, fazendo falas prol mercado e prol neoliberalismo e nada propôs em relação a taxar grandes fortunas/heranças ou tributar lucros e dividendos.

Se Lula pretende convencer dessa maneira, acho que vai ser difícil. Quase 70% do eleitorado do sul e sudeste votaram em Bolsonaro (cidades importantes como São Paulo e Rio de Janeiro). Existe uma frustração em curso e um descrédito com relação às falas vazias e falsas promessas, bem como a falta de propostas estruturais de mudança, que perdurem e não sejam derrubadas na primeira marola.

Ficou evidente que Lula e o PT não querem repensar o espectro das alianças, mesmo que implique em repetir os erros de 2018. Parece que optaram pelo mesmo jogo, mesmo que isso implique em derrota para o povo. 

Lula demonstrou sua confiança (prepotência?) em ir para o segundo turno. É fato que o PT é grande, apesar de ter sofrido perseguição midiática/jurídica, mas também teve derrotas eleitorais municipais (no campo político), e não conquistou nenhuma prefeitura de capital em 2020, já com o desgoverno do presidente atual (o PT tinha 254 prefeituras em 2016 e caiu para 183 em 2020, redução de quase 30%; ver aqui, acesso em 02/04/21). 

Demonstrou que, ainda por ser grande (ou achar que é hegemônico), não fez e não faz questão de aliança com Ciro (Lula parece mostrar seu ar de superioridade e dono da esquerda). Para Lula, é melhor aliança com o centro ou com a direita. Seu discurso expressa que só ele pode autorizar ou fazer isso, quem o fizer, será chamado de traidor ou direitista. Assim, conforme a perspectiva de cálculo de Lula, consegue-se passar dos 30%, pois deixou transparecer que almeja chegar em 50% e vencer no primeiro turno (será?) e ser o grande salvador da pátria.

O ex-presidente Lula, durante a entrevista, apresentou um discurso superficial, perdendo a empolgação histórica, repetindo bordões (falas de impacto, chavões, sucessos do passado e etc), os quais já não soam como antes.

Cabe destacar três coisas graves da fala do ex-presidente: Primeira, ele se esquiva do tema da corrupção. Isso é um ponto negativo que pode levar a perda de votos (sem autocrítica); Segunda, a falta de preparo em apontar saídas econômicas para crise. Não trouxe alternativas (ele que foi duas vezes presidente e não sabe o que dizer, como assim?); 3. Atacou as estatais com discurso de estilo privatista neoliberal em duas áreas estratégicas no país (petróleo/gás e energia), além de querer avançar a participação privada na Caixa, que é um banco de soberania nacional, sobretudo em crédito popular e habitação. No caso da Petrobrás, fez uma crítica que pode ser usada para fortalecer a privatização, criticou funcionários de carreira, jogando toda culpa pela corrupção neles, será que foi só isso?

Portanto, nos olhos de hoje, mesmo com todo o respeito ao ex-presidente Lula (um operário que chegou ao poder), mas não apostaria nele ou no PT para sair do lamaçal. A história não se repete, exceto se for como tragédia ou farsa. 

Assim, não podemos titubear e nem reeditar o passado, mesmo que isso implique em ruptura emocional e afetiva. É preciso agregar para vencer o avanço do conservadorismo/autoritarismo e não se faz isso acenando para o neoliberalismo. Em partes, nossa tragédia é resultado do avanço do capitalismo por espoliação de estilo neoliberal/autoritário, que reduz a participação do Estado e abre terreno para exploração e lucro (destruição ambiental, social e humana). Não podemos sair do fosso com velhas estratégias e sem projeto de nação.

A meta também será frear o ímpeto do judiciário que interferiu por demais nos rumos da política. Isso deverá ser devidamente debatido. 

Comentários da Entrevista divididos por minutos:

No minuto 10 do vídeo do youtube (disponível no Canal da Rádio BandNews FM, link aqui, acesso em 02/04/2021) é que a entrevista começa, perto de dez minutos. 

No minuto 15. Lula se coloca como vítima total e faz cara de santo”. Reinaldo faz cara tipo: Sei...o Sr.º nunca fez nada. Não sabia de nada? Nem o mensalão existiu. Né?. Como pode ser deduzido da imagem abaixo:

Do minuto 24 ao 29. Ele melhorou na fala, sobretudo quando falou da prisão, da vigília, da dignidade e soltou duas questões para atrair voto. Disse que é de fé (questão religiosa) e que defende empresa, empresários e trabalhadores. O bom conciliador entre capital e trabalho. O Lula paz e amor. Lula joga vários temas para torcida, faz o discurso de tipo senso comum e que dá Ibope. Porém, tenho dúvidas se a população vai ainda acreditar nisso. Repetir 2002? Depois dos conchavos com lacaios feitos pelo PT, alianças com golpistas? 

Do minuto 29 ao 33: Lula cometeu um desatino. Em vez de reconhecer que houve corrupção na Petrobrás (erros), terminou dizendo: 1) Que a Petrobrás é grande e complexa. E daí? Mas é responsabilidade do Presidente garantir que tenha uma boa gestão. De certa forma, a lava-jato mostrou essa corrupção. Sem a investigação, não chegaríamos aos fatos, por mais autoritarismo que tenha existido; e, 2) A culpa pela corrupção foi de três funcionários de carreira, isentando os cargos indicados pelo PT. Esse tipo de fala, na verdade, retroalimenta o discurso privatista em uma área crucial, petróleo e gás, pois vai reforçar o coro que existe de que temos funcionários demais e que fazem o que querem. Lula erra em abrir espaço para fortalecer a destruição do maior patrimônio do Brasil e em um momento que a segunda maior refinaria do país, a Landulfo Alves, na Bahia, está sendo vendida.

Do minuto 33 ao 36: Lula fala algo perigoso para soberania. Diz que concorda em privatizar alguns setores. Defende a economia mista e cita um setor: a Eletrobrás/Energia. Veja que ele já fez uma fala criticando servidores estatais da Petrobrás e agora abre espaço para atacar outro setor. No mesmo bojo, diz que aceita privatizar a Caixa Econômica Federal. Certamente que a expressão dessa fala destina-se a agradar o mercado.

Do minuto 36 ao 41: Lula faz uma fala mais direcionada ao mercado e retoma seu discurso populista, mas solta uma frase preocupante. Ele diz que tem que acabar com "estatal inchada". Ele reproduz um discurso generalista. Nesse trecho, ele acena ao Mercado e diz algo tipo: coloquem-me de volta e todos vão lucrar e os pobres vão melhorar também. Será que é momento de passar a mão na cabeça do capital ou hora de cobrar que a parcela mais rica pague de forma mais equilibrada do que hoje em que a corda quebra contra pobres, negros/as e trabalhadores/as?

Do minuto 41 ao 46: Lula falou que os países do mundo deveriam se unir em prol da vacina, tipo uma conferência do G20. Mas, na sequência, ele foge de uma pergunta: O que fazer para melhorar a economia do país? Ele voltou para o discurso vazio do povo consumir e não disse nada. Disse apenas que o Estado deve se endividar como as maiores potências do mundo. Não falou mais nada. Taxar grandes fortunas e heranças? Imposto sobre lucros e dividendos? Cobrar de empresas grandes que sonegam? Nada.

Do minuto 46 ao 51: O ex-presidente Lula faz uma crítica a Bolsonaro e suas milícias. Importante, mas crítica superficial.

Do minuto 51-60: Reinaldo pergunta sobre mensalão, queda do governo Dilma e erros na época. Lula se limitou a elogiar Dilma (que merece o elogio), mas ressaltou o fato dela ter lealdade. Disse que tudo que mandava ela fazer, quando ministra, ela fazia (ele quer competência ou um seguidor?). Na sequência, ele fala da crise mundial de 2008 e anos seguintes e disse que alertou Guido Manteiga (então Ministro da Fazenda do governo Dilma) sobre as renúncias fiscais elevadas para empresas. Ele assumiu que teve renúncia fiscal demais. Depois disse que a culpa mesmo da derrubada de Dilma e do aumento da crise foi de Eduardo Cunha, que não ajudava Dilma na Câmara. Mas quem deu apoio a Cunha chegar ao poder anos antes dele chegar na presidência da câmara não foi o próprio PT?

Em 60 min até 1h e 10min: Reinaldo pergunta do hegemonismo e se o PT busca subordinados. Lula diz categórico que não (obviamente que ele não iria assumir sua prática). Lula muda o assunto. Diz que tinha 30% de votos e que precisava ampliar, aí, foi atrás de José Alencar, em Minas Gerais, e pediu para ele sair do PMDB e ir para o PL. Alencar fez isso. Depois vem uma parte legal que Lula crítica a sede de poder de FHC, mas deixa registrado que o PSDB é concorrente do PT. Aí vem uma frase boa, apesar de populista: "Eu devo minha vitória ao povo". Porém, percebo que esse tipo de fala é repetitiva, apesar de demonstrar a ligação de Lula com o povo (é um mantra, mas acho que tem os dias contados). Lula fez uma crítica contundente a indicação de Bolsonaro ao novo ministro de relações exteriores, disse que não tem perfil. 

Em 1h e 10min até 1h e 17min: Reinaldo citou a carta de Lula ao povo brasileiro (publicada em junho de 2002, antes da sua primeira eleição para presidente, leia aqui, acesso em 02/04/21) e perguntou se Luiza Trajano seria um bom nome para vice dele. Lula, novamente, faz um rodeio antes de responder, aproveitando para dizer que Bolsonaro se comporta como Genocida e manda um recado: Quando você vai parar de brincar, fechar a boca e governar?.Lula disse que Trajano é excelente, mas que acha que ela não entrará na política.

Em 1h e 17min até o final: Reinaldo fala do Manifesto dos seis presidenciáveis (publicado em 31/03/2020, dia em que se completa 57 anos do Golpe militar no Brasil, ver aqui, acesso em 02/04/21), elogia o manifesto e diz que acha que um nome de centro seria um sonho para sair da terra de mortos” de hoje, com Ciro junto. Lula responde de forma direta e com ar de arrogância: "Como você vai pescar em terra seca?" (Achei essa analogia ruim, pois pode ser entendida como crítica ao povo sertanejo que faz isso desde sempre). Continua Lula: como você vai inventar candidato. Prossegue, todos do manifesto votaram em Bolsonaro. Na sequência, Reinaldo retruca, Ciro não. Lula diz, com ar irônico: verdade, Ciro foi para Paris, por isso não votou os petistas batem nisso a exaustão, independe da situação do país, da pandemia, crise, fascismo etc. Ficar sempre nisso é retroalimentar o conflito e mesmo sabendo que o Ceará deu votação expressiva no segundo turno para Haddad em 2018. Lula ainda elogia o manifesto pela defesa da democracia. O ex-presidente, então, encerra a entrevista com colocações: 1) Diz que sabe construir relações humanas; e, 2) diz que é possível pessoas que pensam diferente (como ele e Reinaldo) conversarem. Também destaco um momento, apesar do populismo, quando Lula diz que colocou o povo no orçamento.

Assim, ficou evidente que o ex-presidente fez uma fala eleitoral. Contudo, ainda é cedo para avaliar o impacto dessa volta de Lula. Todavia, é fato que o campo progressista fica fortalecido com Lula e que Bolsonaro sentiu o impacto, mas também é fato que a onda do antipetismo volta no mesmo compasso, e Lula mantém o discurso de salvacionista e como alguém que controla o campo da esquerda. Sem dúvida, esse controle significa a atitude hegemônica que o PT vem exercendo. Só esquecem de pensar em três coisas: 1) O PT não é o mesmo. O partido é grande, mas está deitado em erros cometidos e não debatidos, como mensalão e alianças espúrias, além do estilo burocrático da cúpula, que impõe decisões; 2) O PT vem perdendo espaço nacional. As eleições municipais de 2020 representam um sinal do aumento da rejeição ao PT; e, 3) O contexto. A depender da conjuntura, precisamos de novas táticas e, se for preciso, recuar de ser cabeça de chapa ou de ter um nome próprio, bem como buscar o diálogo amplo na sociedade e fazer isso com base em um projeto nacional.

Por fim, sair desse pesadelo do Bolsonaro é tarefa para ontem e passa por parar com o ar de prepotência e hegemonismo. É preciso um pacto nacional para salvar vidas e barrar a continuidade de um governo autoritário.

*Nome fictício que homenageia Sociólogos (as)/Cientistas Sociais brasileiros (as) falecidos (as).

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