Os Estados Unidos devem pedir que o governo brasileiro aceite receber grupos de migrantes haitianos em processo de deportação e de refugiados afegãos que, no momento, correm perigo no país novamente dominado pelo Talibã.
O presidente dos EUA, Joe Biden, enfrenta no momento uma nova crise migratória na fronteira com o México, onde milhares de haitianos tentam entrar em território americano. Diante do grande fluxo na cidade de Del Rio (Texas), o Departamento de Segurança Nacional dos EUA anunciou que iria acelerar a operação de saída desses migrantes, em voos para o Haiti --origem da maioria das pessoas-- e outros destinos.
Segundo interlocutores diplomáticos, o governo americano verificou que parte dos haitianos iniciou a jornada rumo aos EUA em território brasileiro. A ideia da administração Biden é que o Brasil se disponha a receber voos de haitianos deportados que tenham algum vínculo com o país, seja um registro nacional de estrangeiro válido ou filhos nascidos aqui.
O tema deve ser tratado em reunião do ministro Carlos França (Relações Exteriores) com o secretário de Estado Antony Blinken, chefe da diplomacia americana.
Os dois têm encontro marcado para a tarde desta terça-feira (21), em Nova York, à margem da Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Será a conversa presencial de mais alto nível entre as duas administrações, uma vez que Biden e o brasileiro Jair Bolsonaro ainda não tiveram uma agenda bilateral.
Para o governo americano, o envio de ao menos parte dos migrantes para Brasil e Chile --outro país onde residiam muitos dos haitianos aguardando remoção dos EUA-- também seria uma forma de reduzir críticas pelas deportações realizadas diretamente ao Haiti.
A nação caribenha é o país mais pobre do hemisfério ocidental, foi recentemente assolada por um terremoto e está submersa numa crise política após o assassinato do presidente Jovenel Moïse --crime do qual o primeiro-ministro é suspeito de envolvimento, segundo um procurador.
Toda a logística e o fretamento de voos com os deportados haitianos ficariam sob responsabilidade dos EUA, ainda segundo pessoas com conhecimento do assunto.
De acordo com diplomatas, que falaram à Folha sob condição de anonimato, em tese o Brasil não pode impedir a entrada de estrangeiro que tenha permissão de residência em dia ou que tenha filhos que são cidadãos brasileiros.
A eventual autorização para que os EUA realizem esses voos para o Brasil, porém, depende do aval do governo Bolsonaro.
Outro ponto que deve estar na agenda da conversa entre Blinken e França é a possível chegada de refugiados afegãos ao Brasil.
Após uma guerra de 20 anos, os EUA retiraram suas tropas do Afeganistão em agosto, em uma operação desastrada, que terminou com a volta do regime extremista do Talibã ao poder. Americanos e organizações não governamentais têm mapeado pessoas no país da Ásia Central cuja permanência no país seja considerada insegura.
A administração Biden quer trabalhar com outros governos --entre eles o brasileiro-- para que essas pessoas recebam vistos e possam se restabelecer.
Em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU nesta terça, Bolsonaro disse que o futuro do Afeganistão causa grande apreensão e sugeriu que o governo faria uma análise com componente religioso do refugiado para a concessão de vistos humanitários.
"Concederemos visto humanitário para cristãos, mulheres, crianças e juízes afegãos", declarou.
No início de setembro, o governo Bolsonaro editou uma portaria para autorizar a emissão de visto de acolhida humanitária a pessoas do Afeganistão que fogem do país.
A medida facilita a acolhida de pessoas dessa nacionalidade, como já acontece em relação a sírios e haitianos.
Segundo comunicado emitido pelo Itamaraty e pelo Ministério da Justiça à época, "mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e seus grupos familiares" teriam prioridade. As embaixadas do Brasil em Islamabad (Paquistão), Teerã (Irã), Moscou (Rússia), Ancara (Turquia), Doha (Qatar) e Abu Dhabi (Emirados Árabes) estarão habilitadas a processar os pedidos desse tipo de visto --o Brasil não possui representação diplomática no Afeganistão.
Fonte: Folhapress