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“Com base nos fatos apurados, configurada a desobediência, decido pelo desligamento do discente Jovelino Silva Barreto do curso de Bacharelado em Medicina desta universidade”, disse o reitor Fábio Josué Souza, na ocasião. No entanto, os advogados do rapaz alegam que a expulsão, de fato, nunca ocorreu e ele não teve sua matrícula cancelada.
“Eu apresentei ao Consuni [Conselho Superior da Universidade] um recurso administrativo ainda não julgado, ou seja, o processo administrativo não findou. Então, não tinha como a UFRB desligar o aluno. Ele teve a todo momento a matrícula ativa, pois o processo administrativo não acabou”, explica a advogada Alice da Cruz de Jesus. A UFRB confirmou a existência desse recurso. Alice representa Jovelino junto com João Gabriel Bittencourt Galvão, do escritório Galvão e Advogados Associados.
Jovelino se inscreveu para o curso de medicina em março de 2016, após concluir o Bacharelado Interdisciplinar em Saúde (BIS). A juíza Renata Almeida considerou o procedimento adotado pela universidade tardio, quase cinco anos após o ingresso do aluno no curso, e não em consonância com a lei. Ela afirma que a UFRB submeteu o aluno a um processo de heteroidentificação, mas, na época do ingresso em medicina, o edital previa como critério a autodeclaração.
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“Segundo o edital, o único documento exigido pela comissão de ingresso quanto à cota racial era a autodeclaração”, afirma Renata.
“Portanto, é um equívoco cogitar a existência de descumprimento a qualquer comando legal pelo aluno que entregou a autodeclaração na forma exigida legalmente à época e não se submeteu à Comissão que sequer existia”, completa.
A juíza também percebeu a violação do princípio da isonomia, “uma vez que a UFRB submeteu a parte autora a um procedimento de heteroidentificação extemporâneo, com base numa denúncia, deixando de fora os demais alunos integrantes da cota”, escreveu.
Além dessa decisão, na semana passada, a defesa de Jovelino conseguiu uma tutela provisória de urgência antecipada, deferida pela juíza federal Arali Maciel Duarte, determinando que a UFRB inclua o nome do aluno na lista de formandos em Medicina do segundo semestre de 2021.
Repercussão
Pró-reitor de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (Propaae), Carlos Alberto de Paulo soube pela reportagem da decisão liminar. ”Estou sabendo em primeira mão por vocês. Evidentemente, não é surpresa, pois um processo transcorre dentro de seus procedimentos de apresentação, contestação, provas... enfim, a princípio, eu acho um processo normal, mas preciso me ater aos termos para me manifestar de maneira mais consolidada”, disse.
Na época em que o CORREIO noticiou o desligamento de Jovelino, Carlos Alberto justificou a demora no processo pelo amplo direito de defesa dado ao estudante. “A gente tem garantido o direito do contraditório para não se tornar uma prática punitiva, mas a expectativa é dos próximos processos serem mais rápidos. As vezes tratam-se de peças muito longas, mas estamos fazendo uma análise criteriosa e sabemos que não podemos procrastinar com isso”, explicou.
Já Antonio Bastos, dirigente regional do movimento negro unificado e estudante do curso de gestão pública da UFRB, foi um dos autores de denúncias contra fraudadores de cotas na instituição. Ele tinha conhecimento da liminar. “Estou acompanhando o processo. É um recurso utilizado pelo fraudador e concedido pela justiça no âmbito da legalidade. Não muda nada do ponto de vista do acolhimento da universidade das nossas denúncias e das provas que constam na peça inicial”, relata. Para o estudante, continua comprovado a fraude nas cotas.
“Lá na frente essa liminar vai ser derrubada e será mantida a decisão da universidade de afastá-lo definitivamente por conta das evidências colocadas nos autos que comprovam, de fato, a fraude das cotas para poder ingressar no curso de medicina. Tanto ele, quanto os demais, embora os demais ainda estejam na fase de avaliação das denúncias”, argumenta.
Já os advogados de Jovelino consideram, em nota, este momento como uma vitória da justiça e criticaram a universidade. “A UFRB escolheu Jovelino, como se fosse o jogo ‘resta um’, para apresentar à sociedade a falsa impressão de que existe na instituição uma rigorosa averiguação de fraude em cota racial, o que, nem de longe, nunca se observou”, escreveram.
A assessoria de comunicação da UFRB ainda não comentou sobre a liminar.
Relembre o caso
Jovelino entrou em Medicina em 2016, após ter se formado no Bacharelado Interdisciplinar em Saúde (BIS), que permite a realização de uma outra graduação. Na migração dos cursos, ele optou pela aprovação no sistema de cotas para negros (pretos ou pardos), cuja renda familiar bruta é igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita.
Os estudantes que fizeram a denúncia alegam que o rapaz não cumpria nenhum dos requisitos, pois, além de ser branco, ele tinha, no momento da inscrição, carro próprio e era funcionário da Prefeitura Municipal de Presidente Tancredo Neves, onde trabalhava na equipe de Vigilância Sanitária.
"Quando entrou no curso, ele tinha emprego formal, um cargo comissionado na prefeitura. Fora o fato dele ser um homem branco. Ele não é preto ou pardo. É branco. E ao se declarar pardo, cometeu uma fraude. Ele fez estelionato, burlou dados", afirmou Antonio Bastos, na época.
O processo administrativo foi instaurado e comprovou a fraude. No dia 13 de agosto, os conselheiros do Conac homologaram a expulsão de Jovelino com 49 votos a favor, 17 abstenções e nenhum voto contrário. Segundo o pró-reitor Carlos Alberto, o objetivo desses julgamentos não era perseguir ou estabelecer um tribunal racial, mas fazer cumprir o determinado pela política de cotas. “Uma vez configurado o ato fraudulento, é preciso buscar um remédio. Se não, a conquista perde a sua eficácia, pois qualquer um poderá fraudar”, explicou, também na época.
Confira a nota completa enviada pelos advogados de Jovelino:
O escritório Galvão e Advogados Associados, que representa o estudante de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Jovelino Silva Barreto, celebram decisão liminar, na tarde de quinta-feira (16), que determina a suspensão imediata do Processo Administrativo instaurado contra o aluno e, consequentemente, dos efeitos da decisão de desligamento deste do curso de Medicina da Universidade. Em nota enviada ao CORREIO, os advogados Alice Cruz e João Gabriel Galvão, afirmam que “este momento representa uma vitória da Justiça”.
O aluno, Jovelino Silva Barreto, ingressou no curso de Medicina da UFRB através do Edital 006/2016 – Acesso aos Cursos do Segundo Ciclo após conclusão do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, tendo optado, na ocasião, pelas vagas reservadas pela Lei nº. 12.711/12, alterada pela Lei nº. 13.409/16 (modalidade L2 – Candidatos/as autodeclarados/as pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas).
De acordo com o referido edital, Jovelino apresentou todos os documentos necessários e imprescindíveis para demonstrar a sua situação – inclusive a autodeclaração de pessoa parda, único documento exigido pela comissão de ingresso quanto à cota racial (cópia do edital anexo) –, sendo admitido, por congruência da documentação apresentada, no curso de Medicina da Instituição.
Sob o argumento de existência de fraudes em cotas raciais, a UFRB deflagrou o Processo Administrativo nº. 23007.00011499/2016-91, com o fito de apurar a denúncia da ocorrência ou não de burla na cota por parte de Jovelino, ou seja, a UFRB submeteu o aluno ao procedimento de heteroidentificação quase 5 (cinco) anos após o seu ingresso no curso.
Todavia, o Edital 006/2016, de entrada do aluno no curso de Medicina, previu como critério ÚNICO do preenchimento das vagas por cotista a autodeclaração E NÃO a heteroidentificação. Portanto, de acordo com os advogados e entendimento da Juíza da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Bahia, “é um equívoco cogitar a existência de descumprimento a qualquer comando legal pelo aluno que entregou a autodeclaração na forma exigida legalmente à época e não se submeteu à Comissão que sequer existia”.
Os advogados afirmam que, “sob o aspecto estritamente jurídico, o mencionado procedimento é tardio, uma vez que não está em consonância com os Editais publicados, a Constituição Federal e a Lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Assim, a composição intempestiva de processo administrativo para validação do termo de autodeclaração apresenta violação ao princípio da vinculação ao edital, no qual a Administração Pública deve observância”.
Além disso, os advogados destacam que “a UFRB viola frontalmente disposições constitucionais, a saber o princípio da segurança jurídica, da proporcionalidade e da eficiência, que reza pela boa gestão dos recursos públicos, de maneira que a pretensão de cancelamento da matrícula é extremamente danosa para o Estado e para o estudante, uma vez que o aluno está a 03 (três) meses da formatura.
Não obstante, constatasse EVIDENTE violação ao princípio da isonomia, tendo em vista que a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia submeteu o aluno a um procedimento de heteroidentificação extemporâneo e não previsto, com base numa denúncia, deixando de fora os demais alunos integrantes da cota, através do Edital 006/2016.
Não é só, os outros alunos que foram denunciados juntamente com Jovelino tiveram os seus processos administrativos arquivados, embora os discentes possuam as mesmas características fenotípicas.
O aluno sofreu massacre da sociedade o acusando de fraude em cota e afirmando que este havia sido expulso da UFRB, o que NUNCA ocorreu, visto que cumpriu o ÚNICO critério adotado pela Universidade para a seleção dos candidatos autodeclarados pretos ou pardos, que foi o da autodeclaração, onde não havia qualquer previsão editalícia de posterior verificação fenotípica do candidato por Comissão de Aferição de Autodeclaração e, consequentemente, sem definição do fenótipo como critério orientador para aferição da condição de pardo”.
Como melhor forma da Lei e da Justiça, analisando-se o direito e a fundamentação jurídica como pressuposto principal do caso, os advogados, Alice Cruz e João Gabriel Galvão, afirmam que “a matrícula de Jovelino sempre permaneceu ativa, considerando que não havia decisão final no seu Processo Administrativo e, portanto, qualquer conclusão irrecorrível. Em finalização, destaca-se que a condução do caso também traz à baila outra decisão favorável ao discente, que reconhece a obrigatoriedade deste constar na lista de formandos oficial da UFRB, com previsão de colação de grau em 25 de dezembro de 2021.
Conclui-se, portanto, que A UFRB ESCOLHEU JOVELINO, COMO SE FOSSE O JOGO “RESTA UM”, PARA APRESENTAR À SOCIEDADE A FALSA IMPRESSÃO DE QUE EXISTE NA INSTITUIÇÃO UMA RIGOROSA AVERIGUAÇÃO DE FRAUDE EM COTA RACIAL, O QUE, NEM DE LONGE, NUNCA SE OBSERVOU”.
Fonte: Correio24h