A juíza Camila Sani Pereira Quinzani da 4ª Vara Cível da Comarca de São Paulo condenou a Igreja Evangélica Assembleia de Deus e um pastor a pagarem indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil, devido a ofensas proferidas contra a honra de uma fiel e de sua família durante um culto.
A mulher conta que nasceu em uma família evangélica, que frequenta a igreja há 5 décadas, e sempre dedicou a maior parte de seu tempo ao credo, frequentando os cultos e lá criando seu círculo de amizades. Contudo, ao buscar novas experiências e se ausentar das celebrações religiosas, ela afirma que passou a sofrer assédio do pastor da igreja para que ela continuasse a frequentar a igreja. Sem sucesso, passou a criticá-la nas redes sociais e durante um culto.
O pastor disse o seguinte: “”Vou falar aqui publicamente e não estou nem ai para as consequências, vamos parar todos na delegacia se quiser, mas vou falar. Irmão é aquele que coopera… E tem uma família que me deu vários problemas, que família infeliz. A filha é pior que a mãe talvez, é uma família tribulosa, se eles não aparecerem mais aqui na igreja, eu agradeço, é um favor que me faz… Família que só causa confusão! Adiantou ser crente mais de cinquenta anos e a filha é uma rebelde? Que tipo de casa é aquilo?… Posso nem chamar de lar.
A filha com fotos sensuais no Facebook, tocar hino do Corinthians na entrada do noivo pode! Eu só fiz aquele casamento porque sou um homem de caráter, mas a minha vontade foi virar as costas e ir embora. Estou de saco cheio dessa família, pode nem ser chamada de família…”
Diante disso, a autora processou a igreja e o pastor e requereu uma indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil.
A Assembleia de Deus, em sua defesa, apontou que o nome da fiel não foi mencionado durante o culto e salientou que ela profanou o sagrado. Assim, entende que não houve violação de direitos da mulher e solicitou reconvenção mencionando a ocorrência de ofensas e acusações na petição inicial direcionadas aos pastores e à própria instituição religiosa.
O pastor, por sua vez, admitiu os ataques dizendo que mencionou fatos verídicos e que demonstram que a fiel profanou o sagrado e desviou-se de seu caminho e, assim, usou o exemplo da mulher em seu culto, para que os demais fieis não venham a se desviar. O pastor também apresentou reconvenção.
A magistrada Quinzani, por sua vez, observou que, apesar de o pastor não ter mencionado o nome da autora durante o culto, ocorreu a menção de fatos que possibilitaram que todos os fiéis compreendessem a quem as ofensas eram dirigidas.
O direito à liberdade de expressão e o suposto intuito do pastor “de usar como exemplo a família ‘desviada’ da autora dentro da comunidade religiosa não é irrestrito e encontra limites frente à honra e imagem da autora, direito constitucional igualmente garantido. É evidente que a exposição da autora, da forma como realizada pelo pastor, dentro da comunidade crente, afetou a esfera extrapatrimonial” da mulher.
A juíza também afirmou que “não compete a este Juízo analisar as questões levantadas pela parte ré em suas contestações, relacionadas à profanação do sagrado, especialmente porque, tratando-se de um Estado Laico, não compete ao Poder Judiciário analisar as condutas a requerente diante de qualquer
que seja a religião invocada.”.
A juíza ainda destacou a relação de subordinação entre o pastor e a Assembleia de Deus, o que conduz à responsabilidade civil da igreja, nos termos do artigo 932, inciso III, do Código Civil. “Na hipótese dos autos, restando demonstrado que o réu pastor perpetrou, dentro do recinto da igreja, ofensas verbais dirigidas à autora e seus familiares, sendo de rigor o acolhimento do pedido de indenização por danos morais”, ressalta.
Os pedidos de reconvenção foram julgados improcedentes por problemas de forma. Mas, se essas questões fossem superadas, não haveria ilícito algum por parte da fiel porque o fato de ela ter processado a igreja e o pastor não enseja dano moral.
A ação tramita com o número 1010470-18.2020.8.26.0020.
Fonte: Jota