Ao lado de um morto, banhistas permanecem deitados na areia. Ironicamente, à procura do sol, alguns até simulam a mesma posição do corpo estirado. Entre o bronze irretocável e a flagrante insensibilidade a distância é de poucos metros.
O caso aconteceu no início deste mês no Porto da Barra, em Salvador, quando um idoso de 63 anos, já na faixa de areia, não resistiu a um mau súbito depois de ter passado por uma situação de quase afogamento.
Em um estado que lidera o ranking nacional de mortes violentas, e vive como no resto do mundo uma pandemia há dois anos, cabe a pergunta: banalizamos nossa relação com a morte? E outra, feita em sequência: perdemos a sensibilidade diante do sofrimento do outro?
Desde o início da crise sanitária morreram 29.418 pessoas em função do coronavírus na Bahia.
No Brasil, os números mais atualizados contabilizam 653 mil pessoas que perderam suas vidas pela Covid-19. Somado a isto, em 2021, 5.099 pessoas foram assassinadas no estado, líder de homicídios pelo terceiro ano consecutivo.
As fortes chuvas, que deixaram quase 90 mil baianos desabrigados, também mataram outras 27 pessoas entre o fim do ano passado e início deste ano. Em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, foram mais de 200 mortes provocadas pelo temporal, em fevereiro de 2022.
No leste europeu, os ataques da Rússia contra a Ucrânia causaram mais de 360 mortes a civis em pouco menos de uma semana de guerra.
Segundo Alan Mocellim, professor de Sociologia da Ufba, o conjunto destes acontecimentos tornaram a morte rotineira pela primeira vez desde o começo do século XXI, época na qual, com os avanços da medicina, houve um fenômeno oposto, de ocultação da morte na sociedade.
“A experiência da morte era segregada para um ambiente seguro, distante das pessoas, retirada da vida pública”.
Essa convivência novamente próxima com a morte a tornou comum e, consequentemente, banalizada.
“A morte era rotinizada no passado, antes da formação dos estados modernos. Com as epidemias, as pessoas morriam em casa, sempre com muitas doenças. E a gente teve, durante um tempo, uma amenização disso para ter agora, de novo, uma espécie de fenômeno graças ao grande número de homicídios e da própria pandemia. O que a gente entende muitas vezes na sociologia é que as culturas são compostas por ações repetidas e sempre vivenciadas. A medida em que nós vivenciamos a morte novamente como elemento do nosso cotidiano, nos tornamos indiferentes a ela”, expõe o sociólogo.
Fonte: Metro 1