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Luis A. Diaz Jr., do Centro de Câncer Memorial Sloan Kettering, autor de artigo publicado no domingo (5) no New England Journal of Medicine descrevendo os resultados do estudo, que foi patrocinado pela empresa farmacêutica GlaxoSmithKline, disse que não conhecia nenhum outro estudo no qual um tratamento obliterou completamente o câncer em todos os pacientes.
“Acredito que esta seja a primeira vez que isso acontece na história do câncer”, disse Diaz.
Alan P. Venook, especialista em câncer colorretal na Universidade da Califórnia, em San Francisco, que não participou do estudo, disse que também acha que este foi o primeiro caso da história. A remissão completa em todos os pacientes é “inédita”, disse ele.
Esses pacientes de câncer retal enfrentaram tratamentos extenuantes —quimioterapia, radiação e, muito provavelmente, cirurgias que podem resultar em disfunção intestinal, urinária e sexual. Alguns precisaram de bolsas de colostomia.
Eles entraram no estudo pensando que quando terminasse teriam que passar por esses procedimentos, porque ninguém esperava realmente que seus tumores desaparecessem. Mas tiveram uma surpresa: nenhum tratamento adicional foi necessário.
“Houve muitas lágrimas de felicidade”, disse Andrea Cercek, oncologista no Memorial Sloan Kettering e coautora do artigo, que foi apresentado domingo na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica.
Outra surpresa, acrescentou Venook, foi que nenhum dos pacientes teve complicações clinicamente significativas. Em média, 1 em cada 5 pacientes tem algum tipo de reação adversa a medicamentos como o que os pacientes tomaram, o dostarlimab, conhecidos como inibidores de checkpoint.
A medicação foi dada a cada três semanas durante seis meses e custou cerca de US$ 11 mil (cerca de R$ 52 mil) por dose. Ele desmascara as células cancerosas, permitindo que o sistema imunológico as identifique e destrua.
Embora a maioria das reações adversas seja facilmente controlada, aproximadamente 3% a 5% dos pacientes que tomam inibidores de checkpoint apresentam complicações mais graves que, em alguns casos, resultam em fraqueza muscular e dificuldade para engolir e mastigar.
A ausência de efeitos colaterais significativos, disse Venook, significa que “ou eles não trataram pacientes suficientes ou, de alguma forma, esses cânceres são simplesmente diferentes”.
Em um editorial que acompanha o artigo, Hanna K. Sanoff, do Centro Abrangente de Câncer Lineberger da Universidade da Carolina do Norte, que não participou do estudo, o chamou de “pequeno, mas interessante”. Ela acrescentou, porém, que não está claro se os pacientes estão curados.
A inspiração para o estudo do câncer retal veio de um ensaio clínico que Diaz liderou em 2017, financiado pela companhia farmacêutica Merck. Envolveu 86 pessoas com câncer metastático que se originou em várias partes de seus corpos. Mas todos os cânceres compartilhavam uma mutação genética que impedia as células de reparar danos ao DNA. Essas mutações ocorrem em 4% de todos os pacientes de câncer.
Os pacientes desse estudo tomaram um inibidor de checkpoint da Merck, pembrolizumab, durante até dois anos. Os tumores encolheram ou estabilizaram em cerca de um terço a metade dos pacientes, e eles viveram mais. Os tumores desapareceram em 10% dos participantes do estudo.
Isso levou Cercek e Diaz a se perguntarem: o que aconteceria se a droga fosse usada muito mais cedo no curso da doença, antes que o câncer tivesse a chance de se espalhar?
Eles se decidiram por um estudo de pacientes com câncer retal localmente avançado —tumores que se espalharam no reto e às vezes para os gânglios linfáticos, mas não para outros órgãos.
Cercek havia notado que a quimioterapia não estava ajudando uma parte dos pacientes que tinham as mesmas mutações que afetaram os pacientes do estudo de 2017. Em vez de encolher durante o tratamento, seus tumores retais cresceram.
Talvez, Cercek e Diaz raciocinaram, a imunoterapia com um inibidor de checkpoint permitisse a esses pacientes evitar quimioterapia, radioterapia e cirurgia.
Diaz começou a perguntar às empresas que fabricavam inibidores de checkpoint se patrocinariam um pequeno teste. Elas recusaram, dizendo que o estudo era muito arriscado. Ele e Cercek queriam dar a droga a pacientes que poderiam ser curados com tratamentos padrão. O que os pesquisadores estavam propondo poderia permitir que os cânceres crescessem além do ponto em que podem ser curados.
“É muito difícil alterar o padrão de atendimento”, disse Diaz. “O tratamento padrão é fazer a cirurgia.”
Finalmente, uma pequena empresa de biotecnologia, a Tesaro, concordou em patrocinar o estudo. A Tesaro foi comprada pela GlaxoSmithKline, e Diaz disse que precisou lembrar à empresa maior que eles estavam fazendo o estudo —os executivos tinham se esquecido do pequeno teste.
Seu primeiro paciente foi Sascha Roth, então com 38 anos. Ela notou algum sangramento retal pela primeira vez em 2019, mas se sentia bem —ela é corredora e ajuda a administrar uma loja de móveis da família em Bethesda, Maryland.
Durante uma sigmoidoscopia, ela lembrou, seu gastroenterologista disse: “Ah, não. Eu não esperava por isso!”.
No dia seguinte, o médico ligou para Roth. Ele tinha feito uma biópsia do tumor. “É definitivamente câncer”, disse.
“Eu derreti completamente”, contou ela.
Logo ela estava pronta para começar a quimioterapia na Universidade de Georgetown, mas uma amiga insistiu que ela procurasse primeiro o médico Philip Paty no Memorial Sloan Kettering.
Paty disse a ela que tinha quase certeza de que seu câncer incluía a mutação que tornava improvável uma boa resposta à quimioterapia. Descobriu-se, porém, que Roth era elegível para entrar no ensaio clínico. Se ela tivesse começado a quimioterapia, não poderia.
Não esperando uma resposta completa ao dostarlimab, Roth havia planejado se mudar para Nova York para fazer radioterapia, quimioterapia e possivelmente cirurgia após o término do teste. Para preservar sua fertilidade após o tratamento de radiação esperado, ela teve seus ovários removidos e colocados de volta sob as costelas.
Após o teste, Cercek lhe deu a notícia.
“Nós analisamos seus exames”, disse ela. “Não há absolutamente nenhum câncer”. Ela não precisou de mais nenhum tratamento.
“Eu contei à minha família”, disse Roth. “Eles não acreditavam.”
Dois anos depois, ela não tem qualquer vestígio da doença.
Fonte: Folha de SP