Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo |
De fato, o presidente da República participou do desfile oficial na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Depois, retirou a faixa presidencial e subiu em um carro de som para falar com seus apoiadores -- mas isso alteraria a hipótese de ilícito eleitoral?
“Pedir votos em um evento público, custeado e organizado pelo Poder Público é um ilícito em duas áreas do direito: é um ilícito de direito administrativo na medida em que houve manejo da Administração Pública de maneira pessoal e para interesse particular, mesmo que político -- e também é um ilícito eleitoral, na medida em que pode ser configurado como abuso de poder político e até mesmo abuso de poder econômico pelo uso de recursos públicos para privilegiar a propaganda política”, afirma o advogado e professor de Direito Constitucional Antonio Carlos de Freitas Junior.
Ele pondera, porém, que, “de outro lado, quando Bolsonaro retira a faixa presidencial, sai do evento público e sobe em um carro de som privado, a situação é completamente outra”. “Estamos no período eleitoral e é lícito aos candidatos pedirem votos. Impedir Bolsonaro de pedir voto no 7 de Setembro é um ilícito eleitoral. Ele, como também todos os candidatos, tem que estar livre e desimpedido para fazer, em eventos públicos -- pois abertos a qualquer público, mas financiados pela campanha ou por particulares --, qualquer tipo de pedido de voto ou apoio.”
Mas o Tribunal Superior Eleitoral tem alguma jurisprudência sobre casos assim? Para Antonio Carlos Freitas, não. “Não há uma jurisprudência específica, até porque o TSE tem um entendimento de que o abuso de poder político não seria um ato isolado. Verifica-se um conjunto de comportamentos -- e se eles desequilibraram o jogo político. A proteção, na verdade, é da igualdade de condições na eleição. Eventos isolados não são suficientes para a configuração do abuso. É necessário verificar o uso abusivo, o comportamento reiterado e sistêmico ou de grande vulto e magnitude que tenha violado a igualdade entre as candidaturas.”
Para o advogado Alexandre Rollo, ao contrário, “há farta jurisprudência no TSE sobre o desvio de finalidade de eventos oficiais que são transformados em eventos eleitoreiros”.
“Apesar de ter tentado separar as figuras de presidente da República e de candidato à reeleição, Bolsonaro praticou abuso do poder político e conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais ao usar, em Brasília, toda a máquina administrativa -- bens móveis e servidores públicos -- preparada para uma comemoração oficial da Independência do Brasil, em prol de sua campanha à reeleição. O evento foi preparado em comemoração ao 7 de Setembro. Houve desfile com a presença de várias autoridades federais. O público presente estava assistindo ao desfile e festejando o Dia da Independência. Tirar a faixa presidencial e mudar de palanque ao subir em um trio elétrico para proferir discurso eleitoral naquele mesmo ambiente, naquele mesmo evento, não altera essa realidade. Bolsonaro está muito longe de atuar dentro das quatro linhas. Houve clara afronta à igualdade de oportunidades entre os candidatos na disputa eleitoral.”
Fontes:
Alexandre Rollo, advogado e especialista em Direito Eleitoral. Conselheiro Estadual da OAB/SP, Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.
Antonio Carlos de Freitas Junior, advogado e professor de Direito Constitucional. Bacharel, mestre e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP). Foi assessor parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo e na Câmara dos Deputados; coordenador de políticas públicas de juventude na Prefeitura de São Paulo; presidente do Conselho Municipal de Juventude de São Paulo; e Ouvidor na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
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