Foto Reprodução | Iphan |
Segundo o órgão, ele não tem o poder de impedir o uso dos recursos e nem sabe o valor que tem no Fundo, porém, destaca que as "verbas federais que foram destinadas à preservação do patrimônio cultural em outras atividades, de fato, pode significar desvio de finalidade em sua gestão, como também já previsto na Lei Municipal nº 1.000/2013, art. 88," diz trecho do parecer. O IPHAN ainda sugere que o Conselho Municipal de Cultura comunique o fato "ao Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e ao Ministério Público Federal (MPF), para que sejam tomadas as providências judiciais e administrativas cabíveis com relação à proteção e salvaguarda do patrimônio cultural cachoeirano..."
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Cachoeira, em contato com o Diário da Notícia, informou que "a resposta será dada ao IPHAN após a aprovação do Projeto de Lei na Câmara de Vereadores." Na noite dessa segunda (29/05), a Câmara Municipal aprovou em primeira votação, por maioria dos votos, o Projeto de Lei nº 16/2023.
Leia a seguir o trecho das considerações do IPHAN:
Inicialmente, cumpre destacar que esta autarquia, cuja incumbência é a de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, não tem competência e/ou autoridade para fiscalização da aplicação de recursos orçamentários dos municípios, como é o caso da destinação de dotação orçamentária do FUNPATRI, sendo tal fiscalização de responsabilidade dos Tribunais de Contas e dos sistemas de controle interno de cada ente federativo, nos termos dos arts. 70 a 75 da Constituição Federal.
12. Não é de conhecimento desta autarquia o montante de recursos alocado atualmente no FUNPATRI, informação esta que só o Governo Municipal, gestor do fundo junto ao Conselho Municipal, pode fornecer. No entanto, registra-se que os fundos de preservação do patrimônio instituídos na período do Programa MONUMENTA, entre os quais o de Cachoeira-BA, foram criados, em sua maioria, para receber as dotações orçamentárias do Governo Federal provenientes deste programa, de forma que é bastante provável que eles ainda sejam compostos, atualmente, por esses recursos federais residuais, que, no âmbito municipal, pode chegar a valores expressivos.
13. Nesse sentido, a aplicação de verbas federais que foram destinadas à preservação do patrimônio cultural em outras atividades, de fato, pode significar desvio de finalidade em sua gestão, como também já previsto na Lei Municipal nº 1.000/2013, art. 88:
§ 1 Os recursos provenientes do Fundo de Preservação do Município da Cachoeira continuarão sendo aplicados exclusivamente com a finalidade de financiar as ações de preservação e conservação de áreas tombadas pelo IPHAN na ampliação do número de imóveis restaurados e conservação das obras realizadas na área de investimento do Projeto Monumento no âmbito do Município;
§2 Continua vedada a aplicação dos recursos financeiros do Fundo de Preservação do Patrimônio Artístico Cultural em despesas com pessoal e com serviços de atribuição do Município.
14. A Lei Municipal é clara ao informar a exclusividade de uso do FUNPATRI em FINANCIAMENTO em prol da preservação e conservação do patrimônio cultural, sendo vedada a sua aplicação em outros tipos de despesas municipais, como no caso em questão, que trata de calamidade pública e em nada tem a ver com a preservação do patrimônio histórico e cultural. A exclusividade prevista de financiamento é coerente e louvável, pois mantém a auto sustentabilidade deste recurso financeiro.
15. Também não se pode deixar de mencionar que a proteção à cultura e ao patrimônio cultural é dever do Estado previsto na própria Constituição Federal, como se lê no art. 215:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
16. Caso o município decida aplicar os recursos do FUNPATRI em outra área, haverá, na prática, a desmobilização de um projeto de preservação da cultura brasileira de mais de duas décadas, o que evidencia um descumprimento deliberado do texto constitucional e a relegação da cultura a segundo plano na gestão municipal, além de inobservância da própria legislação do ente federativo; e contrariando as diretrizes iniciais estabelecidas, conforme indicado no item 6 desta Nota Técnica.
17. É de grande estranhamento a intenção de retirada da autonomia do Conselho de Política Cultural, eleito, e legítimo representante dos segmentos culturais do município, e/ou a tentativa de mudança da legislação vigente para tal fim. Enquanto os Conselhos Participativos têm sido motivados a atuarem como órgãos de deliberação no país, a destituição do Conselho de Política Cultural referente à sua gestão do Fundo de Patrimônio pode trazer sinais de autoritarismo arbitrário e ausência da participação popular, em contradição ao que rege a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. 216:
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
18. Além de que, na Carta Externa enviada a este Iphan, é evidenciado que o Conselho de Política Cultural já possuía um planejamento coerente de destinação dos recursos, o qual está sendo arbitrariamente ignorado pela atual gestão municipal:
Realizamos uma reunião com a prefeita em 11 de novembro de 2022 onde ela nos pediu apenas para um retorno onde deveríamos lhe apresentar o edital [de financiamento para requalificação de imóveis históricos] nos relatando durante o encontro [que] não tinha a intenção de causar qualquer entrave para a pronta realização do projeto. Ocorre que esse segundo momento nunca aconteceu. Encaminhamos 06 (seis) ofícios solicitando uma agenda com a prefeita que nunca nos foi respondido, tornando assim inverídico seu posicionamento relatado de que “não causaria qualquer entrave para a pronta realização do projeto” Efetivamente, ficou evidente o total desinteresse do executivo no atendimento dessa pauta culminando com a indicação nº 32 do vereador que, por coincidência, é esposo da prefeita. Contrariamente ao que estabelece o regramento de uso e destinação dos recursos do fundo, o entendimento é de que a Câmara de Vereadores não possui prerrogativa para anuir sobre qualquer utilização da verba e que o executivo incorrerá em equívoco de desvio da destinação do Fundo caso utilize para atribuições que são exclusivamente do município. Sob a alegação de que utilizará o recurso “para reforma e construção de casas das famílias de baixa renda que foram atingidas pelas chuvas”, a solicitação impetrada na indicação, além de ilegal, está sendo utilizada como subterfúgio para a irregularidade [...].
19. Também é preocupante o fato de que tramita, na Câmara Municipal de Cachoeira, o Projeto de Lei nº 16, de 02 de maio de 2023, sendo que a emenda nº 05, de 22 de maio de 2023, em anexo (SEI 4427959, fl. 81-82), propõe, em seu art. 2º, que os recursos do FUNPATRI possam ser utilizados para financiamento de "contratação de estrutura para shows/apresentações como som, palco, iluminação, ornamentação, indumentárias, etc." ou para a "a reforma, recuperação e requalificação de unidades habitacionais", projeto este completamente destoante ao objetivo original do Fundo, de preservação e salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro.
20. Nessa mesma conjuntura, cabe destacar a recente renúncia da então Secretária de Cultura e Turismo do município, Sra. Janete Magno, no mês de maio deste ano, por meio de carta pública (em anexo - SEI 4427959, fl.83), na qual alega que:
A gestão [do Governo Municipal] não se preocupa com as políticas públicas para a Cultura em todo o seu contexto material, patrimonial e imaterial, querendo por toda a força burlar um amplo sistema de leis que regem a Cultura desse Município [...].
[...] e a falta de respeito com todas as leis que regem o Sistema Municipal de Cultura [...], sem ao menos respeitar a soberania da Secretaria e do Conselho Municipal de Política Cultural.
21. Tendo em vista todas essas considerações, sugere-se, veementemente, que o Conselho Municipal de Cultura de Cachoeira comunique os fatos de que tem conhecimento aos Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA), para apuração/investigação da movimentação e origem dos recursos financeiros em questão e de eventual desvio de finalidade em sua aplicação.
22. Sugere-se, ainda, que seja comunicado ao Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) e ao Ministério Público Federal (MPF), para que sejam tomadas as providências judiciais e administrativas cabíveis com relação à proteção e salvaguarda do patrimônio cultural cachoeirano e brasileiro, bem como à proteção dos recursos financeiros destinados à estas ações, dentro de suas atribuições constitucionais.
23. É o que se tinha a informar. Coloco-me disponível para quaisquer outros esclarecimentos.
Atenciosamente,
João Gustavo Andrade Silva
Arquiteto Urbanista | Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural - Chefe do Escritório Técnico de Cachoeira - Superintendência do Iphan na Bahia | Escritório Técnico de Cachoeira
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