Muritiba não precisa de defesa: ela desfila sua identidade pelas ruas, de um jeito que só quem tem raiz sabe fazer

*Por Láiza Mello
Vez ou outra, estrangeiros ousam a dizer que Muritiba não tem cultura. Dá vontade de convidar pra um café — ou pra uma cerveja gelada, nesse calor de três sóis —, sentar na praça e deixar a cidade se explicar sozinha. Porque, olha, quando chega a Festa do Senhor do Bonfim, Muritiba não precisa de defesa: ela desfila sua identidade pelas ruas, de um jeito que só quem tem raiz sabe fazer.

Fotos: Reprodução | Roberto Luís 
Os "cãos" já começaram seu cortejo. Eles descem a ladeira com o corpo untado de óleo queimado, agora com um toque de glitter (porque tradição também brilha), e tridentes improvisados nas mãos. As crianças correm, algumas assustadas, outras adorando o jogo do medo. Os “cãos” seguem em movimentos ritmados, como se cada passo fosse parte de um ritual, onde o sagrado e o profano dançam lado a lado. A cada abraço sujo de óleo, uma gargalhada. A cada susto, uma história pra contar.

Mais à frente, mais um espetáculo se revela: as “caretas”. As famílias que compõem esses grupos estão cada vez melhores. É impossível não notar o capricho e a ousadia nas fantasias. As máscaras de látex, idênticas e minuciosamente trabalhadas, criam personagens que parecem saídos de um sonho estranho — desses que você não quer acordar. As roupas simetricamente desenhadas formam um balé de cores e de peso. Os movimentos coreografados, a disciplina na dança, a leveza nas brincadeiras. Quem vê de longe, jura que foi ensaiado, mas quem conhece sabe: é pura alma.

E os grupos fantasiados seguem o fluxo. Cada um com seu tema, cada um com sua verdade. Tem personagens do folclore, tem super-herói, tem aquele tipo que você nem sabe bem o que é, mas não consegue desviar o olhar. É a criatividade sem freio, sem medo de ser demais. E, convenhamos, aqui em Muritiba, nada é demais. Só o sol, mas disso a gente dá um jeito.

A festa acontece agora, enquanto você lê. As ruas estão tomadas, os grupos dançam, as histórias se constroem nas encruzilhadas, nas ruas e vielas. A cada esquina, uma surpresa. A cada sorriso, uma promessa de que, ano que vem, vai ser ainda melhor.

E se você acha que acabou, engana-se! A festa continua, ainda tem a lavagem do Manteiga, dos Amigos e de Xarita. Cada uma com sua energia, suas cores, seus rituais. Muritiba segue dançando, cantando, vivendo sua própria epopeia popular, como se o tempo tivesse feito uma pausa gentil para que o povo celebrasse sem pressa.

Muritiba, hoje, escreve seu próprio enredo. E o que se vê aqui é mais do que uma festa: é a expressão de um povo que transforma memória em movimento, fé em folia e cultura em patrimônio vivo. Já passou da hora de tombar essa tradição, registrar cada detalhe, eternizar essa identidade. Que a Festa do Senhor do Bonfim seja Patrimônio Imaterial dos muritibanos e da Bahia. Porque o que acontece aqui merece ser vivido, contado e celebrado — sempre.

Agora, deixo vocês com os registros fotográficos de Roberto Luís. Permitam-se mergulhar nessas imagens e sintam, ainda que à distância, a mesma euforia que me invade ao vivenciar e escrever cada linha desta festa.

*Láiza Mello é muritibana, ativista cultural e criadora de conteúdo digital 

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